A proximidade do julgamento de Jair Bolsonaro reacende no Brasil e no exterior o debate sobre os limites e as fragilidades das democracias contemporâneas. Especialistas ouvidos pelo jornalista Luis Nassif, durante a edição de 29 de agosto do programa TVGGN Justiça, apontaram para os impactos do processo judicial contra o ex-presidente e o que ele representa em um cenário político nacional e internacional cada vez mais polarizado.

O historiador Luiz Marques, professor da Unicamp, afirmou categoricamente que a condenação de Bolsonaro é praticamente certa. “É 100% praticamente de certeza que haverá uma condenação. Quanto ao tamanho da pena, isso pode ser depois discutido, etc., mas será claramente uma condenação, porque não há nenhum resíduo de dúvida”, afirmou, citando o padrão jurídico norte-americano “beyond any reasonable doubt” (além de qualquer dúvida razoável).

A gravidade do momento também foi evidenciada pela repercussão internacional. Marques destacou a recente capa da influente revista The Economist, que comparou Bolsonaro a extremistas que invadiram o Capitólio nos Estados Unidos, em 2021.

O jurista David Tangerino, professor de Direito da UERJ, analisou a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial a figura do ministro Alexandre de Moraes, muito criticado no início do processo. Para Tangerino, embora haja ressalvas pontuais, a atuação da Corte ganhou legitimidade com o avanço das investigações e o surgimento de provas contundentes.

Ele destacou ainda a importância do respaldo internacional nesse processo: “E acho que você [Nassif] tem razão também quando diz que a entrada em campo dos Estados Unidos botou a corte em uma posição de defesa institucional mais forte. Então, eu estou esperando, inclusive, que as sustentações vão se centrar muito fortemente em temas propriamente jurídicos, dos limites do crime e tal, da pena, talvez, e muito menos nessa espuma política e ideológica que realmente arrefeceu.”

Democracia Fragilizada

A entrevista também abordou a resistência à democracia em segmentos da sociedade brasileira. Para Luiz Marques, há um “bolsão muito grande” da população que permanece impermeável a fatos e argumentos. “E, efetivamente, o bolsonarismo se enraizou numa parcela muito poderável da sociedade brasileira que se tornou impermeável a qualquer argumentação, a qualquer fato. Então, isso é um fenômeno que não é de resto brasileiro, é um fenômeno internacional”, analisou.

Ele ainda traçou paralelos com o fenômeno global de desilusão democrática. “O fato é o seguinte, quando você tem um sistema democrático baseado na tradição liberal, representação, etc., que não entrega, que não é capaz de produzir bem-estar, muito pelo contrário, produz ao longo, desde os anos 1980, não é uma década, quase meio século, em que estamos claramente num processo de desmonte da social-democracia, de desmonte de todos os sindicatos, da organização, da sociedade civil, que garantia, que era capaz de pressionar as elites de maneira a que elas, efetivamente, fossem obrigadas a fazer concessões importantes”, afirmou.

Avanço da extrema-direita

O poder das redes sociais também foi tema central. Marques apontou o papel das big techs na radicalização política, principalmente com a renúncia crescente das plataformas ao discurso de imparcialidade. “Você tem um espaço de realmente de selvageria que acontece nas redes e que tem um poder, que é um poder cumulativo, capaz, então, de ter um peso muito grande na concepção de mundo das pessoas.”

Segundo ele, esse cenário cria um campo fértil para o avanço da extrema-direita, que capitaliza a frustração social diante do retrocesso em áreas como segurança alimentar, saúde e meio ambiente. “E é natural, então, que o cidadão, em face dessa inquietude, desse sentimento de insegurança, procure voltar, procure uma proteção. E essa proteção aparece na forma de um discurso de retorno ao passado”, pontuou.

Tangerino alertou ainda para o risco de aparelhamento das instituições democráticas, especialmente se a extrema-direita voltar ao poder. “Acho que o futuro da nossa Suprema Corte é tão promissor quanto o futuro da nossa democracia. Se conseguirmos suceder Lula com outro candidato, independente de esquerda ou direita, mas um outro presidente comprometido com os princípios fundamentais da Constituição, a tendência é que nós tenhamos uma Corte com esse mesmo compromisso.”

Ele lembrou que o bolsonarismo não esconde seu projeto de poder e a intenção de conquistar cadeiras no Senado para avançar sobre o STF. “Mesmo quando o Brasil elegeu presidentes de esquerda e elegeu vários, ele contemporaneamente elegeu casas parlamentares majoritariamente conservadoras”.

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Last Update: 31/08/2025