Ao longo de 15 anos, o programa de transferência de renda Bolsa Família, do governo federal, evitou mais de 700 mil mortes e 8 milhões de internações hospitalares, com efeitos especialmente significativos entre crianças menores de cinco anos e idosos com mais de 70 anos.

A constatação é de um estudo conduzido por pesquisadores da Fiocruz, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade de Barcelona (UB). O artigo foi publicado nesta quinta-feira 29, na revista científica The Lancet Public Health.

Para chegar à conclusão, os pesquisadores examinaram dados de 3.671 municípios, definidos pela qualidade adequada de registro civil e das estatísticas, representando mais de 87% da população brasileira. Os dados analisados compreendem o período de 2004, ano de criação do programa, a 2019.

Os estudiosos atestaram que, quanto maior o percentual de famílias elegíveis atendidas, e a alta adequação, o valor médio transferido por família, maiores são os efeitos do programa. Nessas condições, a mortalidade infantil caiu 33% e as internações de idosos acima de 70 anos foram reduzidas pela metade.

“Nosso estudo mostra que políticas de transferência de renda bem estruturadas podem salvar vidas. O Bolsa Família não apenas combate a pobreza, tendo também efeitos diretos na saúde da população brasileira”, observou a pesquisadora Daniella Cavalcanti (UFBA), uma das responsáveis pelo estudo.

O doutor em saúde pública Davide Rasella (UC), também responsável pela pesquisa, apontou que os impactos do programa são ainda mais importantes em um cenário de múltiplas crises, entre elas a climática.

“Durante um período de múltiplas crises – econômicas, sanitárias e climáticas – reforçar programas como o Bolsa Família pode ser decisivo para proteger as populações mais vulneráveis, especialmente em países de baixa e média renda”, observou.

Os estudiosos utilizaram modelos retrospectivos e preditivos e, a partir da combinação, projetaram os efeitos de uma expansão do programa até 2030. As projeções indicam que, se o Bolsa Família for expandido em cobertura e valor dos benefícios, outras 683 mil mortes e mais de 8 milhões de internações poderão ser evitadas, consolidando seu papel como ferramenta fundamental de proteção social e saúde pública.

“Estamos em um momento histórico no mundo, de forte disputa entre dois projetos fortes, um focado na restrição de direitos, inclusive democráticos, e redução do Estado, e outro, mais democrático, com aspectos sociais fortes, que aposta na manutenção do Estado como agente responsável pela redistribuição de recursos e proteção daqueles que, por qualquer razão, estão sem condição de prover seu sustento”, avaliou o pesquisador Rômulo Paes, do Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz).

“O estudo é fundamental para esse debate. Apostar no bem-estar não é um mau negócio, ao contrário, traz vantagens gerais, tanto do ponto de vista social, quanto do ponto de vista econômico”, disse Paes, que participou do nascimento do Bolsa Família e é responsável pelo desenho e implementação do sistema de monitoramento e avaliação do Programa no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

“Esse é um dos futuros da agenda social no Brasil, uma vez que um dos efeitos das alterações climáticas recaem sobre os mais pobres e mais vulnerabilizados. É uma agenda de política social e de pesquisa também”, completou.

Aliança Global contra a Fome e a Pobreza

A pesquisa, dizem os autores, reforça a importância de políticas públicas integradas que combinem proteção social com acesso a serviços essenciais em uma escala global. Contribui, por exemplo, para os objetivos da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa lançada pelo Brasil durante sua presidência do G20, em 2024, que busca fortalecer a cooperação internacional no combate à fome, à pobreza e às desigualdades.

Acrescentam, ainda, que os resultados se alinham ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3 da ONU, que propõe “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades” até 2030, destacando o papel estratégico de programas de transferência de renda na promoção da saúde e da equidade em nível global.

“A experiência brasileira mostra ao mundo que combater a fome e a pobreza com políticas públicas baseadas em evidências também é investir em saúde e desenvolvimento humano sustentável”, avalia Daniella.

O programa, que completou 20 anos em 2024, abrange mais de 20 milhões de famílias (55,1 milhões de pessoas), transferindo uma média de 139 dólares para cada domicílio mensalmente, com orçamento geral de aproximadamente 34,5 bilhões de dólares em 2023.

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Last Update: 30/05/2025