Lítio e poder: a entrada da Bolívia no Mercosul e o futuro da América Latina
Lítio e poder: a entrada da Bolívia no Mercosul e o futuro da América Latina
por Elaine Santos
Foi assim que o presidente Lula iniciou seu pronunciamento sobre a entrada da Bolívia no Mercosul nos dias 7 e 8 de julho, durante a cúpula realizada em Assunção, Paraguai. Destacando, de forma discursiva, a perpetuação histórica de países que, apesar das riquezas naturais, não conseguem “dar certo”, como diria o intelectual insubmisso Darcy Ribeiro.
Além da entrada no Mercosul, a Bolívia recentemente esteve no centro do debate devido à tentativa de golpe liderada pelo general Juan José Zúñiga. Felizmente, o intento fracassou, mas expôs a crise interna do partido governista boliviano, Movimento ao Socialismo (MAS), evidenciando o desgaste na relação entre o presidente Luis Arce e Evo Morales, ambos disputando a liderança dentro do partido, visando às eleições presidenciais de 2025.
Essa disputa política ganhou contornos ainda mais dramáticos quando Evo Morales acusou Luis Arce de promover um autogolpe. Luis Arce, tentando evitar ampliar o debate sobre os problemas econômicos e políticos vivenciados internamente no país, declarou em entrevista que a tentativa de golpe em 26 de junho teria ocorrido por “interesses estrangeiros” nos recursos naturais da Bolívia, que, como no caso do lítio, são significativos.
A entrada da Bolívia no Mercosul pode representar um passo significativo para projetar a exploração soberana do lítio e facilitar a cooperação entre os países na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias relacionadas ao lítio, onde a Bolívia tem projetos e uma das maiores reservas globais, e o Brasil tem reservas importantes e um histórico industrial neste setor.
Os esforços de industrialização do lítio na Bolívia começaram antes do recente “boom do lítio”. Em 2008, o Decreto 29.496 declarou a industrialização do Salar de Uyuni como prioridade nacional, sinalizando um compromisso de longo prazo com a exploração e industrialização do lítio.
Ao fazer parte de um bloco econômico regional como o Mercosul, os países podem fortalecer sua posição no cenário internacional das matérias-primas e ter mais peso nas negociações comerciais globais. Assim como o presidente Lula, finalizo este texto relembrando Galeano, mas em outra passagem, onde ele menciona que “a divisão internacional do trabalho consiste em alguns países se especializarem em ganhar e outros em perder”. No que tange às matérias-primas, parece que estamos aprimorando nossas funções em derrotas, principalmente quando focamos apenas na exportação. Será que a entrada da Bolívia no Mercosul poderá reverter essa trajetória?
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Elaine Santos, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP