Bioeconomia para quem?

por Augusto Cesar Barreto Rocha

Temos alguma dificuldade para conceituar e operacionalizar o que é a bioeconomia na Amazônia. Pior que isso, temos pouca clareza para quem será realizada esta atividade, para que propósito e outras questões filosóficas fundamentais que precisam ser enfrentadas. Como exemplo do efeito desta ausência, segundo publicação recente de André Costa, a Natura, um dos maiores expoentes nacionais dos biocosméticos, relacionou-se com comunidades amazônicas e comprou pífios R$ 35 milhões em ingredientes, para exuberante faturamento de R$ 24 bilhões.

Imagine se a sede do setor nacional de biocosméticos fosse no Amazonas, no Polo Industrial de Manaus (PIM): quanto maior deveria ser o faturamento do setor? Com alguma facilidade esta empresa seria uma das líderes do PIM, que faturou cerca de R$ 204 bilhões em 2024. Entretanto, cabe observar o quão pouco se retira de insumos amazônicos, por um faturamento que menciona a região com algum destaque. Não precisa muita perspicácia ou crítica para ver que o nome Amazônia entra muito mais como marca do que como impacto econômico.

O consumo de commodities tem um pouco desta cara. A retirada de valor é sempre muito desproporcional. Quem está mais próximo do consumidor, na cadeia produtiva, ganha bem mais do que quem está mais próximo da natureza. A bioeconomia neste modelo vai para quem? Certamente não é para as comunidades amazônicas. Há no modo atual mais uma transferência do “valor Amazônia”, tal qual no ouro, pau-brasil ou tantos outros insumos nacionais, em um passado mais remoto.

Os Programas Prioritários da Suframa para a bioeconomia têm atraído empresas que não são do setor específico para trabalhar com este intento. É um bom sonho, mas a questão é: como transformar em resultado esta política pública? Qual o resultado até aqui? Quanto do faturamento do Polo Industrial de Manaus poderia ser para a bioeconomia? Quantas empresas como a Natura estão em Manaus, mesmo que transformando muito pouco do insumo local? Pouco ou quase nada.

A intenção da política pública o do legislador prescreve um setor regulado pela lei 7.302/2025 do estado do Amazonas, em conjunto com a Lei 4.419/2016, definindo que a “Bioeconomia ou Bioeconomia Amazônica: conjunto de atividades econômicas de produção, fomento à produção, distribuição e consumo de bens e serviços provenientes de recursos da sociobiodiversidade Amazônica de forma sustentável e inovadora”. Ora, da forma colocada, como sairemos da colônia agrícola? A inovação em si não será constituída pela participação sustentável ou das comunidades.

A questão, como está posta, dá a sensação de que o alvo é transformar as comunidades Amazônicas no que eram no período de exploração da borracha, como se estivéssemos atrás de um novo ciclo da borracha, com os insumos regionais. A construção do aparato tecnológico para a inovação tecnológica depende de um modelo que integre ciência e indústria. Entretanto, a indústria Amazônica está longe do perfil “bio”. Mesmo a Natura, com seu apelo Amazônico reconhecido, está longe de aportar alterações significativas na economia regional, pois os negócios maiúsculos pouco (ou nada) transformaram a economia regional. A bioeconomia até agora está sendo uma bela expectativa.

Augusto Cesar Barreto Rocha – Professor da UFAM.

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Last Update: 22/04/2025