Pesquisadores e representantes da sociedade civil participaram, nesta quarta-feira (22), da audiência pública convocada pela Advocacia-Geral da União (AGU) para discutir a reorientação da política de conteúdos da Meta, conglomerado estadunidense de tecnologia responsável pelas redes Facebook, Instagram e Whatsapp. Especialistas alertaram que a guinada à extrema direita da empresa traz sérios riscos à democracia brasileira. Embora convidados a participar, nenhum representante das plataformas digitais compareceu à audiência.
A professora Rose Marie Santini, diretora do Laboratório de Estudos de Internet da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi categórica: o fim do serviço de checagem de fatos e o relaxamento da moderação nas redes sociais representam uma ameaça à sociedade. Na avaliação de Santini, é ainda mais grave a modificação nos algoritmos imposta pelo dono da Meta, o magnata Mark Zuckerberg.
Leia mais: Meta responde a questionamentos da AGU, que se reúne antes de decisão
“Esses algoritmos, programados pela curadoria e moderação de conteúdo, operam sem nenhuma transparência sobre a realidade e sobre seus critérios. Não sabemos quais conteúdos são efetivamente moderados”, criticou.
A professora da UFRJ argumentou haver “graves inconsistências” nos critérios moderadores das redes sociais, o que camufla o favorecimento de apenas usuários selecionados pela empresa. “Essa opacidade mina a confiança pública na real preocupação da empresa com a liberdade de expressão. Afinal, a liberdade só é efetiva quando acompanhada de transparência”, ponderou.
“O discurso das empresas induz a um entendimento de que a censura só poderia vir do Estado. Contudo, na realidade atual, as plataformas digitais se constituem como a principal estrutura de censura dos usuários na internet”, concluiu Santini.
A especialista disse ainda que as big techs acumulam mais informações sobre os cidadãos do que o próprio Estado. “Usam dados das pessoas, inclusive os sensíveis, para distribuir anúncios personalizados, independente se são legítimos ou não, se contêm crimes de qualquer ordem ou se colocam os usuários em risco”, apontou.
Racismo, homofobia e misoginia nas redes
Antes da posse do republicano Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, Zuckerberg publicou um vídeo anunciando o fim da checagem de fatos nas plataformas da Meta, a pretexto da liberdade de expressão.
O aceno à extrema direita, entretanto, não parou por aí. Segundo apuração do site Aos Fatos, alterações já em vigor no Brasil incluem a substituição do termo “discurso de ódio” por “conduta de ódio”. Os usuários agora podem, por exemplo, tachar homossexuais de “doentes mentais”.
O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, Victor De Wolf, detonou a política de conteúdos da Meta e lembrou que o Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo. “A gente já vê graves crimes de ódio acontecendo, violações, calúnias e golpes. A nossa comunidade não é incomum”, disse.
“A anarquia digital proposta por esses empresários, na verdade, nada mais é do que uma ditadura”, definiu De Wolf.
Para a professora de Direito Beatriz Kira, da Universidade de Sussex, no Reino Unido, os algoritmos favorecem a disseminação de conteúdos sexistas e misóginos que não teriam o mesmo impacto fora da internet. “Tecnologias emergentes com inteligência artificial generativa geraram esse cenário, facilitando novas formas de violência”, lamentou.
“Nesse contexto, mudanças recentes nas políticas de discurso de ódio e a reivindicação do sistema de automatização de organização de conteúdo são profundamente preocupantes. Essas mudanças evidenciam a necessidade urgente de um papel mais ativo do Estado na regulação das plataformas digitais”, completou a professora.
Proteção das crianças
Presente à audiência da AGU, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, defendeu a regulamentação das redes sociais. “Repetindo aqui uma frase do nosso presidente Lula, o algoritmo não deve se sobrepor ao humanismo. Que nessa agenda de diálogo nós possamos construir ponderações e trazer ideias para avançar no ambiente digital, de forma a garantir proteção às crianças e adolescentes. Muito nos preocupa a expansão do racismo, da misoginia, dos preconceitos de maneiras diversas que podemos encontrar na sociedade”, enfatizou.
A ministra fez referência à lei que restringe o uso de celulares em escolas públicas e privadas, sancionada por Lula há 10 dias. “Como diz o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nossa sociedade é responsável por garantir a proteção integral de todas as crianças em todo e qualquer espaço. E a gente quer, de fato, avançar na construção de ambientes digitais seguros, protetores e que fundamentalmente respeitem os direitos humanos”, destacou Macaé.
Pedro Hartung, diretor do Instituto Alana, afirmou que a moderação de conteúdo nas redes sociais em benefício das crianças brasileiras não é somente uma necessidade, mas um dever constitucional. Cerca de 93% delas utilizam a internet. “No caso das crianças, já temos a legislação para basear ações de responsabilização objetiva por conduta própria ou ação por omissão das plataformas.”
Marco Civil da Internet
O advogado-geral da União, Jorge Messias, considerou a audiência pública “extremamente produtiva”. Por meio do X, ele elogiou as avaliações dos participantes.
“No contexto do julgamento sobre a constitucionalidade de normas do Marco Civil da Internet, levarei ao STF um relato pormenorizado das informações levantadas durante a reunião”, antecipou.
A Audiência Pública sobre plataformas digitais foi extremamente produtiva. Coletamos avaliações de representantes de diversos setores da sociedade civil e acadêmicos, que corroboram nossas preocupações em relação aos impactos sobre os direitos fundamentais decorrentes da…
— Jorge Messias (@jorgemessiasagu) January 22, 2025
Da Redação, com Agência Brasil e Agência Gov