O governador de São Paulo, João Paulo de Freitas, está buscando fortalecer sua imagem para as eleições de 2026 com a recente privatização da Sabesp, a maior empresa de saneamento do Brasil.
Com 28,4 milhões de clientes em 375 municípios, a Sabesp é uma das maiores do mundo no setor. A venda de 32,3% das ações da companhia, concluída em 22 de julho, arrecadou R$ 14,8 bilhões, superando até mesmo a procura por ações da Petrobras.
A privatização, no entanto, pode ser considerada um erro criminoso. Muitos temem que a medida resulte em tarifas mais altas e em uma piora no acesso aos serviços de água e esgoto, defendendo que esses serviços devem ser garantidos pelo estado.
A mudança foi impulsionada pelo Marco do Saneamento, aprovado há quatro anos, que visa atrair investimentos privados para o setor e estabelece metas ambiciosas de cobertura de água e esgoto até 2033. O objetivo seria melhorar as redes de esgoto em áreas carentes e combater doenças associadas à falta de saneamento.
No entanto, a situação da Sabesp é distinta. A empresa, que já está listada em bolsa desde 1997 e teve um lucro líquido de R$ 3,5 bilhões em 2023, cobre 98% da população com abastecimento de água e 93% com coleta de esgoto. Uma pesquisa de abril revelou que 52% dos paulistas eram contra a privatização, enquanto 36% eram a favor.
Privatização em Berlim
Experiências internacionais com a privatização de saneamento, como em Paris e Berlim, mostram que nem sempre esse processo é bem-sucedido e pode, portanto, ser um erro. Segundo uma pesquisa do Transnational Institute, 364 cidades decidiram reverter privatizações de saneamento desde o início do século.
Em Berlim, a privatização parcial da Berliner Wasserbetriebe (BWB) ocorreu em 1999, quando o governo vendeu 49,9% das ações para duas grandes empresas: a alemã RWE e a francesa Vivendi. As corporações passaram a gerir o serviço de água e esgoto. Contudo, em resposta à pressão pública, o governo decidiu recomprar essas ações 13 anos depois.
O movimento contra a privatização foi liderado pela Berliner Wassertisch, que promoveu um referendo histórico em 2011. A maioria dos eleitores apoiou a divulgação dos contratos de privatização, que estavam em sigilo na época.
Karl Goebler, membro da Berliner Wassertisch e cofundador do Berliner Wasserrat, disse que a decisão de privatizar foi tomada em um período de crise fiscal e de forte apoio global às políticas neoliberais que favoreciam a privatização. A experiência, no entanto, gerou descontentamento entre os berlinenses.
Durante a privatização, as tarifas de água aumentaram em 37%, fazendo com que Berlim tivesse o custo mais alto de água entre as cidades alemãs. Quando os contratos secretos foram revelados, ficou claro que garantiam um lucro mínimo de 8% para os investidores privados, com o governo cobrindo essa diferença se não fosse alcançada por meio das tarifas.
Como resposta à insatisfação, o governo comprou de volta as ações da RWE em 2012 e as da Vivendi em 2013. A reestatização levou a uma estabilização dos preços da água, com algumas quedas notáveis. Goebler apontou que a gestão pública trouxe maior transparência e possibilitou investimentos mais sustentáveis.
No entanto, a recompra das ações foi cara para o governo, que teve que contrair empréstimos para financiar a operação. Além disso, a mudança de gestão de volta para o setor público trouxe desafios administrativos para reintegrar a estrutura corporativa.
O erro de João Paulo e a privatização da Sabesp
Já no Brasil, João Paulo de Freitas, que já havia realizado privatizações como ministro da Infraestrutura durante o governo Bolsonaro, prometeu a privatização da Sabesp durante sua campanha. Após assumir o governo, iniciou os estudos e obteve aprovação legislativa para a venda em dezembro de 2023.
O governo paulista decidiu seguir uma abordagem parcial na privatização da Sabesp. Em vez de vender a companhia integralmente, optou por transferir a gestão para um acionista de referência, que adquiriu 15% das ações da empresa, enquanto outros 17,3% das ações serão disponibilizados no mercado. Com essa estratégia, a participação do estado na Sabesp será reduzida de 50,3% para 18%.
A única empresa interessada em se tornar acionista de referência foi a Equador, que possui uma sólida trajetória no setor de distribuição de energia. A Equador adquiriu suas ações por R$ 6,9 bilhões, a um preço unitário de R$ 67.
No processo de venda pulverizada, o mesmo preço de R$ 67 por ação foi aplicado, resultando em uma arrecadação de R$ 7,9 bilhões. A maior parte dessas ações foi comprada por fundos nacionais e internacionais. Este preço foi 18,3% menor do que o valor das ações negociadas em bolsa na última quinta-feira, quando a venda pulverizada foi confirmada.
O governo paulista justifica a privatização afirmando que ela permitirá a universalização do saneamento até 2029, antecipando o prazo em quatro anos.
Críticas ao processo
A privatização da Sabesp recebeu oposição de seus funcionários e de algumas entidades civis e partidos. Francisca Adalgisa, diretora-presidente da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp e integrante do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), argumenta que não há “nenhuma justificativa” para a mudança no controle acionário da empresa.
Adalgisa ressalta que a Sabesp é lucrativa e já atingiu as metas de universalização de serviços em mais de 300 municípios. As áreas ainda não atendidas são as mais de difícil acesso, mas ela acredita que, mantendo o ritmo de investimento atual, a universalização seria possível até 2033 “sem pressa”.
Para Adalgisa, a promessa do governo João Paulo de universalizar o atendimento até 2029 é uma “promessa falsa”, considerando a falta de projetos e empresas de engenharia capazes de realizar essas obras dentro do prazo estipulado.
Ela antecipa uma possível redução na qualidade do atendimento devido à terceirização de serviços na gestão privada. Adalgisa também aponta que a terceirização frequentemente resulta em alta rotatividade de pessoal e baixos salários, impactando negativamente a qualidade dos serviços.
“Demora para você treinar um funcionário para fazer um bom trabalho, há um turnover [rotatividade de pessoal] muito alto se você terceiriza, os salários são muito baixos”, diz.
Além disso, Adalgisa critica o processo de privatização, que teve apenas uma proposta para a posição de acionista de referência e foi realizado de forma apressada e direcionada. “O governo correu com a teoria do fato consumado. Quando cair a ficha na população, o acionista já botou a pessoa na cadeira”, diz.
Vale destacar que tanto a Ondas quanto o PT tentaram impedir a privatização por vias judiciais, mas sem sucesso. Na sexta-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luis Roberto Barroso, negou uma liminar que visava suspender o processo.
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