Pai de Arthur, João de Lira expulsa camponeses, mas não declara fazenda ao TSE
Em 2023, o pai do deputado Arthur Lira obteve reintegração de posse contra família que vivia desde os anos 70 no imóvel em Quipapá (PE); o imóvel continua ausente da declaração de bens de João, candidato à reeleição em Barra do São Miguel (AL)
Por Luís Indriunas e Tonsk Fialho*, em De Olho nos Ruralistas
Em agosto de 2023, Cícero Paulo da Silva e Maria José de Oliveira Silva foram expulsos de seus 5 hectares de terra em Quipapá, no sul de Pernambuco, diante de uma ação de reintegração de posse movida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e seu pai, João de Lira (PP-AL), o João de Lira.
Representado por Arthur, o ex-senador João de Lira diz ser dono da Fazenda Engenho Proteção, massa falida da Usina Água Branca, comprada em 2008 pelos Lira.
O caso da expulsão dos agricultores foi revelado com exclusividade pelo De Olho nos Ruralistas no dossiê “Arthur, o Fazendeiro“. Eles viviam no local há décadas.
João de Lira é candidato à reeleição em Barra de São Miguel, litoral de Alagoas. Ele informa ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ser proprietário da Fazenda Estrela, de 279 hectares, também em Quipapá, mesma informação da eleição anterior, mas não declara nada sobre a Engenho Proteção. Ele declarou ainda no município a Fazenda Quitéria, com 138 hectares.
Família vivia na área desde os anos 70, mas foi despejada em um dia
A família de Cícero vive na área desde os anos 70. Seu pai, Manoel Paulo Da Silva, foi gerente da Usina Água Branca e recebeu do síndico da massa falida um Termo Provisório de Posse, em 2002.
“Meus sete filhos foram quase todos criados lá”, contou Cícero ao observatório. O camponês também trabalhou para a usina e passou a viver definitivamente no local em 2005, após a morte do pai.
O casal criava galinhas, quatro cabeças de gado e cultivava macaxeira, milho, feijão e frutas como coco, manga e, mais recentemente, caju, para consumo próprio.
A urgência pelo pedido de usucapião, feito em 2021, surgiu quando os agricultores passaram a receber visitas de funcionários de Arthur Lira. Eles diziam que aquelas terras tinham dono e, por isso, eles não deveriam plantar ali.
O casal soube da efetivação da ação de despejo 24 horas antes e conseguiu retirar móveis e pertences antes das máquinas passarem pela casa.
Eles foram obrigados a pagar R$ 300 mensais de aluguel na casa encontrada às pressas na cidade, enquanto aguardam as próximas decisões judiciais.
Os Lira dizem ter comprado 181,65 hectares dos herdeiros do antigo proprietário da usina, em 2008, área que seria vizinha da Fazenda Estrela. Eles alegam produzir gado Nelore nas duas fazendas.
Para expulsar o casal, os Lira apresentaram guias de trânsito em nome da Fazenda Estrela, mas nunca em nome da chamada Proteção.
As terras do Engenho Proteção nunca apareceram nas declarações nem de João, nem de Arthur Lira à Justiça Eleitoral.
Candidato à reeleição em Barra do São Miguel, João de Lira continuou não declarando a terra. A defesa do casal questiona também a informação de que as propriedades são vizinhas.
Dossiê mostra império agropecuário das famílias Lira e Pereira
Juntos, Arthur e João de Lira têm 3.872,46 hectares, espalhados por cinco municípios de Alagoas e dois de Pernambuco, onde criam gado, principalmente Nelore.
Eles dividem a sociedade da Lira Agropecuária e Eventos, que promove vaquejadas — atividade onde Arthur puxa, literalmente, rabos de boi — e grandes leilões com a presença de políticos e fazendeiros.
Em 2023, a empresa promoveu dois leilões. O segundo, em 7 de outubro, aconteceu na Fazenda Santa Maria, em São Sebastião (Alagoas), e movimentou R$ 4,3 milhões com a venda de touros e cavalos de raça.
O valor foi quatro vezes mais que a primeira edição do mesmo ano. Patrocinaram o evento empresas de peso do agronegócio nordestino, como a Sococo, do alagoano Emerson Tenório, e o Grupo Maratá, de José Augusto Vieira — maior doador individual do PL em 2022.
Entre os políticos, estavam o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro-chefe da Casa Civil durante o governo Bolsonaro, o deputado federal Elmar Nascimento (União-BA) e o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB), que arrematou um dos lotes.
Veja trechos do leilão no vídeo sobre a face agrária de Arthur Lira, no nosso canal do Youtube.
João de Lira começou na agropecuária nos anos 80, pelas mãos da família da sua primeira esposa, Ivanete Pereira de Lima, mãe de Arthur.
O então vereador de Maceió pelo PDS, antiga Arena, entrava para a poderosa família Pereira.
João de Lira tornou-se fazendeiro e mentor político dos clãs Lira e Pereira, que domina prefeituras do estado, sob o comando do presidente da Câmara.
Para saber detalhes dessas ligações, acesse o dossiê “Arthur, o Fazendeiro”
A expansão territorial de Arthur e João de Lira teve início a partir dos anos 90, com a crise do setor canavieiro no Nordeste, quando o então presidente Fernando Collor de Mello extinguiu o Instituto do Açúcar e do Álcool e pôs fim ao tabelamento de preços.
O vazio deixado pelas usinas foi uma oportunidade perfeita para fazendeiros da região, que adquiriram dezenas de imóveis a preço de banana. Foi essa a origem de alguns dos imóveis adquiridos pelas famílias Lira e Pereira.
Este ano foi a primeira vez que a fortuna declarada por João para a Justiça Eleitoral diminuiu. De R$ 1,64 milhão, em 2020, para R$ 1,29 milhão, uma queda de 20% segundo o ICL Notícias. Dois créditos rurais de R$ 603 mil saíram da declaração, mas entraram 16,97% do capital da empresa de eventos, no valor de R$ 79.979,61.
Com 82 anos, João é prefeito de um pequeno paraíso tropical, com cerca de 8 mil habitantes. Em 2021, o município recebeu R$ 3,8 milhões do orçamento secreto comandado por Arthur Lira.
* Tonsk Fialho é pesquisador e repórter.
*Luís Indriunas é roteirista e editor do De Olho nos Ruralistas.
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