Imagine uma cidade escolhida para sediar a próxima Olimpíada elegendo um prefeito que despreza esportes. Parece absurdo, certo? Em Belém, capital do Pará, o cenário não é muito diferente. A cidade, que sediará em 2025 a conferência mundial para o clima da ONU, a COP 30 – um megaevento – pode eleger um prefeito escancaradamente contrário à pauta ambiental.
Da extrema direita, o candidato Éder Mauro, de 63 anos, é deputado federal e foi o único parlamentar com atuação 100% negativa para o meio ambiente e os povos do campo, segundo as 22 organizações que avaliaram as votações e os projetos de lei usados para pontuar os parlamentares no Ruralômetro, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil para analisar o posicionamento de parlamentares sobre questões socioambientais na última legislatura.
Em todas as 17 votações que participou, ele foi contrário à agenda socioambiental, apoiando a regulamentação de atividades econômicas em terras indígenas, a ampliação da posse de armas no campo, a dispensa do licenciamento ambiental para diversos empreendimentos e a liberação de agrotóxicos cancerígenos.
Além de votar sistematicamente contra o meio ambiente, o deputado federal é autor de projetos de lei que favorecem o garimpo. De autoria dele, o PL 5.248 permite que órgãos municipais possam fazer o licenciamento ambiental de lavras garimpeiras de pequeno porte, fragilizando a fiscalização e o PL 5.822 quer autorizar o garimpo em reservas extrativistas.
Mauro foi por 30 anos delegado da Polícia Civil do Pará e faz questão de destacar seu histórico violento. Já disse ter “matado muita gente” e justificou que “todos eram bandidos”. Quando delegado, fez a fama como habitué dos programas televisivos policialescos, sucesso de público nas cidades da Amazônia.
No Congresso desde 2015, Mauro coleciona confusões e baixarias em ataques aos parlamentares de esquerda, principalmente mulheres. Em um desses episódios, chamou a deputada Maria do Rosário (PT-RS) de “Maria do Barraco”, ao que ela rebateu chamando-o de “assassino”. “Infelizmente, já matei, sim, e não foram poucos, foi muita gente”, respondeu.
Na última campanha eleitoral, em 2022, fui a Belém para escrever um perfil do candidato. Acompanhei Mauro na parada paramilitar do 7 de Setembro. Entre várias barbaridades, o ex-delegado disse que, caso a esquerda voltasse ao poder, o incesto seria legalizado: “Para que o pai possa casar com a filha”. O que é uma mentira.
Com a COP 30 se aproximando, espera-se que Belém receba mais de 40 mil visitantes durante o evento, incluindo líderes globais, equipes da ONU e delegações de diversos países.
A articulação política para a realização da conferência foi feita pelo presidente Lula (PT) e pelo governador Helder Barbalho (MDB). Os dois mostram sintonia desde o segundo turno das últimas eleições, quando Barbalho apoiou o petista. Jader Filho, irmão do governador, é o ministro das Cidades do governo petista. O pai dos dois é o senador Jader Barbalho e a mãe, Helcione Barbalho, é deputada federal.
Os laços de sangue do clã, contudo, falaram mais alto e os Barbalho não vão apoiar o atual prefeito, Edmilson Rodrigues (PSOL), que tenta a reeleição tendo o PT como partido do candidato a vice.
A divisão entre o PT e o clã Barbalho deu fôlego ao ultra bolsonarista na largada. As primeiras pesquisas apontavam Éder Mauro na liderança da disputa. Levantamento do Paraná Pesquisas, divulgado em julho, colocou Mauro à frente com 30,5% das intenções de voto, seguido pelo primo do governador com 23,8% e pelo atual prefeito Edmilson Rodrigues com 20,1%.
Uma pesquisa da AtlasIntel, realizada online entre 2 e 7 de agosto com 1.220 moradores de Belém, aponta um empate técnico entre Normando (36,5%) e Mauro (34,7%). O atual prefeito, Edmilson Rodrigues, aparece em terceiro com 15,5% das intenções de voto.
“O governador decidiu lançar o primo inexperiente para constranger o Lula em certa medida. A minha relação com Lula e o PT não é de hoje. Ele vai estar aqui no momento certo, não quero constrangê-lo porque sei que precisa do apoio do MDB [no Congresso]”, afirmou Rodrigues em entrevista à CartaCapital.
Posicionado como um herdeiro de uma das famílias mais influentes do estado, Normando tenta construir uma imagem de modernização e eficiência administrativa. Tem criticado a administração de Rodrigues por, segundo ele, ser lenta na entrega de serviços essenciais à população. O calcanhar de Aquiles é a zeladoria da cidade, com críticas pesadas – e justificadas – ao sistema de coleta de lixo.
Lula enfrenta um dilema: apoiar seu tradicional aliado Edmilson Rodrigues, do PSOL, ou garantir a vitória contra a extrema-direita mesmo que precise sacrificar a candidatura de seu próprio partido coligado ao atual prefeito.
Com a COP, a eleição de Belém ganhou contornos nacionais e internacionais. Desde a confirmação como sede, a capital paraense recebeu a visita do presidente da França, Emmanuel Macron e uma cúpula de países amazônicos. Bolsonaro também esteve na capital paraense no final de junho no lançamento da pré-candidatura de Éder Mauro.
Sentindo a pressão, Éder Mauro tem reduzido a virulência do discurso anti clima, pensando, é claro, em não ampliar a rejeição.
Ao ser questionado sobre a COP pela Folha de S. Paulo, Mauro disse que, como deputado, não está nem um pouco preocupado, mas que como candidato vê oportunidade de atração de recursos, embora ressalve, com tom zombeteiro, que grande parte das pessoas que estarão no evento irão apenas passear.
A eleição de um prefeito contrário à pauta climática em uma cidade que receberá a COP 30 poderia minar a credibilidade do Brasil nas negociações globais sobre o meio ambiente, além de enfraquecer a narrativa do governo federal sobre a proteção da Amazônia.
Diante disso, pode ser que Lula rife o PSOL e o PT e abrace a família Barbalho para bater Éder Mauro.