Na quarta-feira (19), o Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central decidiu elevar novamente a taxa Selic, agora fixada em 14,25% ao ano — a maior desde 2016. O aumento faz parte de uma estratégia amplamente debatida para conter a inflação, mas especialistas questionam sua eficácia e apontam consequências graves para a economia e para a população.

Para discutir o tema, o programa Entrelinhas Vermelhas entrevistou o renomado economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor aposentado da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Assista à entrevista completa:

A lógica dos juros altos: combate à inflação ou pressão do mercado financeiro?

Segundo Belluzzo, a política de juros altos não é uma solução técnica, como muitas vezes é apresentada, mas sim um reflexo direto das pressões exercidas pelo mercado financeiro. “O Banco Central não é independente como se imagina”, afirmou o economista. “Ele foi capturado totalmente pelo mercado financeiro.”

Belluzzo explicou que a visão predominante de que aumentar os juros é necessário para controlar a inflação ignora fatores sistêmicos e estruturais que influenciam a formação de preços. “A inflação não é apenas um fenômeno monetário; ela está profundamente conectada ao comportamento dos grandes conglomerados empresariais e às oscilações globais, como as crises energéticas decorrentes da guerra na Ucrânia.”

Além disso, o economista destacou que o modelo adotado no Brasil negligencia lições históricas importantes. Durante o pós-guerra, por exemplo, bancos centrais controlavam o crédito diretamente, penalizando setores que promoviam aumentos desproporcionais de preços. “Hoje, ao invés de controlar o crédito, opta-se por subir os juros, o que beneficia o sistema financeiro, mas prejudica o restante da economia”, disse.

Impactos na vida das pessoas: quem paga a conta?

Os juros altos afetam diretamente a vida dos brasileiros, especialmente aqueles das classes trabalhadoras. A elevação da taxa Selic encarece o crédito para famílias e empresas, reduz investimentos produtivos e desacelera o crescimento econômico.

“A população não come PIB”, ressaltou Belluzzo, referindo-se à desconexão entre indicadores econômicos e a realidade vivida pela maioria. “As condições de vida são fundamentais para entender a popularidade de qualquer governo, e medidas como essas têm um impacto negativo imediato.”

O economista também criticou o mantra da “gastança” propagado por parte da imprensa brasileira. Segundo ele, o gasto público é essencial para manter o circuito da renda em funcionamento. “Gasto determina a circulação de renda. Sem isso, a economia para”, explicou.

Desenvolvimento Econômico vs. Modelo Conservador

Outro ponto abordado na entrevista foi o impacto dos juros altos sobre o desenvolvimento nacional. Para Belluzzo, a política monetária atual impede a execução de um projeto consistente de desenvolvimento econômico.

“O Brasil já teve uma participação de 30% da indústria de transformação no PIB. Hoje, essa participação está em torno de 9%”, lamentou. Ele lembrou que, durante o regime militar, instrumentos como a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) ajudavam a estabilizar preços de alimentos e commodities. “Essas políticas regulatórias foram abandonadas em nome de uma visão liberal, e agora pagamos o preço.”

O economista também comentou a dicotomia entre o Banco Central e o governo federal. Enquanto o governo tenta estimular a economia com programas sociais e investimentos, o Banco Central mantém uma postura contracionista, dificultando os resultados esperados.

Autonomia do Banco Central: um problema estrutural

A autonomia do Banco Central foi outro tema central da discussão. Instituída recentemente, essa autonomia retira do presidente da República o poder de definir a política econômica de acordo com seu programa de governo.

“Não há independência real”, argumentou Belluzzo. “O que existe é uma submissão total ao mercado financeiro.” Ele citou o Boletim Focus como exemplo: as previsões frequentemente erradas do documento acabam orientando as decisões do COPOM, reforçando o domínio do setor financeiro sobre a política monetária.

Perspectivas para o futuro: haverá alívio nos juros?

Questionado sobre a possibilidade de redução dos juros ainda este ano, Belluzzo foi cauteloso. “Talvez haja uma pequena redução, algo como meio ponto percentual, mas não vejo espaço para mudanças significativas no curto prazo”, afirmou.

O economista alertou que, sem uma revisão profunda das concepções econômicas vigentes, o Brasil caminha para uma recessão severa. “Infelizmente, só uma crise muito grave mobilizará a sociedade para exigir mudanças radicais”, concluiu.

Reflexão sobre palavras e significados

Por fim, Belluzzo destacou a importância de resgatar o debate sobre palavras e significados na economia. “As pessoas não são autômatas”, disse. “Elas pensam, raciocinam e são influenciadas pelas narrativas que lhes são apresentadas.”

Para o economista, a mídia e as redes sociais desempenham um papel crucial na formação dessas narrativas. “É preciso questionar a ideia de que o Estado não pode gastar mais do que arrecada, porque isso ignora as instituições criadas ao longo do capitalismo para gerir moeda e gastos públicos.”

Com uma análise crítica e histórica, Belluzzo reiterou a necessidade de repensar o modelo econômico brasileiro para garantir melhorias reais na qualidade de vida da população.

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Last Update: 20/03/2025