O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) reafirmou, em ata divulgada nesta semana, que a desaceleração da economia é um “elemento necessário” para levar a inflação à meta de 3%. Com a Selic em 14,25% — maior patamar desde 2016 —, a autoridade monetária argumenta que o aperto nos juros é indispensável para conter pressões inflacionárias, ancorar expectativas e evitar um descontrole maior.
O documento destaca que a moderação do crescimento é parte fundamental do processo de transmissão da política monetária e considera necessário um arrefecimento da demanda agregada para equilibrar oferta e demanda na economia.
O Copom citou sinais de desaquecimento em setores como serviços, indústria e níveis de emprego, mas avaliou que o mercado de trabalho segue aquecido, exigindo cautela na condução da política monetária. Com isso, a taxa básica de juros (Selic) foi elevada para 14,25% ao ano, retornando ao patamar observado em 2016.
Segundo o documento, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,2% no último trimestre de 2024, confirmando uma tendência de moderação após altas de 1,3% e 0,7% nos trimestres anteriores. O BC também destacou sinais de arrefecimento no setor de serviços, na indústria e na população ocupada, embora reconheça que o mercado de trabalho ainda está “aquecido”.
Crítica à ortodoxia: “O rabo corre atrás do cachorro”

Para o economista Wellington Duarte, professor da UFRN, a estratégia do BC reflete uma “profissão de fé” no monetarismo, modelo que prioriza o controle da inflação via juros altos, mesmo com custos sociais elevados. “O tripé macroeconômico (metas de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal) tornou-se uma camisa de força. Não há espaço para debates sobre alternativas, como instrumentos fiscais ou reformas estruturais”, afirma.
Duarte critica a contradição de um BC que, ao elevar juros para conter a inflação, acaba por deprimir a demanda, reduzindo o consumo das camadas médias e baixas. “Políticas contracionistas reduzem a atividade econômica, sufocam investimentos públicos e comprometem a arrecadação, criando um círculo vicioso. O ajuste fiscal virou um dogma, mas o resultado é um ‘equilíbrio’ que só beneficia os credores”, diz.
“Não há nenhum indício de que essa visão fiscalista será abandonada, o que significa que o Brasil continuará acorrentado a um modelo que suprime o crescimento para conter preços”, alerta Duarte.
A elevação da Selic, combinada com um cenário global instável, tende a dificultar ainda mais o crescimento da economia brasileira. Com o crédito mais caro, empresas enfrentam maior dificuldade para investir e contratar, enquanto famílias reduzem o consumo. Isso compromete não apenas o desempenho do PIB, mas também o bem-estar da população, que já sofre com a queda do poder de compra.
Dados e contradições: entre o discurso e a realidade
A ata do Copom cita a alta do PIB e a moderação da atividade como evidências de que a política monetária está surtindo efeito. No entanto, dados recentes mostram que a inflação acumulada em 12 meses até fevereiro segue a 5,06%, um volume razoável para a maioria dos países, atualmente, embora alimente pressões para novos aumentos da Selic no Brasil.
Enquanto isso, o governo federal avança com medidas para estimular o consumo, como liberação do FGTS e ampliação do crédito consignado — iniciativas não mencionadas na ata do Copom. Para Duarte, há um “divórcio” entre as políticas monetária e fiscal: “De um lado, o BC freia a economia; de outro, o Executivo tenta reativá-la. O resultado é incoerente e ineficaz”.
Para Duarte, esse cenário é reflexo de uma política monetária que favorece especuladores e penaliza setores produtivos. “O rabo corre atrás do cachorro, o que não é nada normal. A tentativa de puxar a inflação para baixo acaba minando a própria capacidade do governo de equilibrar suas contas, pois reduz a dinâmica econômica e a arrecadação tributária”, conclui o economista.
Juros reais: Brasil na contramão global
Com juros reais projetados em 8,79% ao ano, o Brasil ocupa a 4ª posição no ranking mundial, atrás apenas de Turquia, Argentina e Rússia. Esse cenário, segundo analistas, reflete a percepção de risco fiscal e a falta de confiança em reformas estruturais. O BC atribui a alta dos juros neutros à “incerteza sobre a sustentabilidade da dívida pública” e ao crédito subsidiado, mas críticos apontam que a rigidez monetária agrava o problema.
A próxima reunião do Copom, prevista para maio, deve manter a política de juros elevados, ainda que com aumentos menores. O Banco Central já indicou que a continuidade da alta da Selic dependerá da evolução das expectativas inflacionárias e do comportamento da dívida pública.
No entanto, a estratégia tem custos claros: o desemprego estrutural, a estagnação dos salários e a precarização do trabalho. “O BC age como se a inflação fosse apenas um problema de demanda, ignorando os choques de oferta e a concentração de renda. É uma visão simplista que penaliza os mais pobres”, conclui Duarte.
No entanto, críticos da atual política monetária alertam que uma abordagem menos contracionista poderia estimular o crescimento sem gerar pressões inflacionárias significativas. O debate sobre os rumos da política econômica deve intensificar-se, enquanto o país oscila entre a ortodoxia monetária e a urgência de um projeto de desenvolvimento inclusivo.