O início da campanha eleitoral abriu margem para o retorno das discussões sobre as candidaturas. A aprovação da PEC 9/2023, chamada de PEC da Anistia, sobre as regulações internas dos partidos, levantou esse debate. Um deles é a questão das candidaturas de negros, que foi tópico de discussão do texto “PEC da Anistia: um retrocesso para as candidaturas negras” da deputada federal do PT, Reginete Bispo, que considera a legislação um retrocesso.

Ela começa justificando seu voto contrário à PEC: “Como muitos sabem, meu compromisso com a equidade racial e a justiça social me impediu de apoiar um texto que, em sua essência, representa um retrocesso”. E segue: “A proposta visava reforçar a autonomia constitucional das agremiações partidárias, permitindo-lhes maior liberdade na gestão de seus recursos financeiros. Contudo, algumas disposições permaneceram problemáticas e insuficientemente alteradas”.

A PEC de fato é uma reação de todos os partidos ao avanço da ditadura da regulamentação eleitoral que existe. É um absurdo a quantidade de regras impostas aos partidos políticos brasileiros a ponto de que a própria direita, que tem os recursos para ultrapassar esse emaranhado, aprovar essa PEC. Essa regulamentação afeta mais os oprimidos. O PCO, por exemplo, tem uma enorme dificuldade de lançar seus candidatos da luta pela terra como os índios do Mato Grosso do Sul devido a tantas imposições.

Mas ela argumenta que na verdade a regulamentação é boa para os negros: “Mantendo-a apenas para candidaturas negras, e o aumento de 20% para 30% dos recursos destinados a candidaturas de pessoas pretas e pardas. No entanto, este avanço se mostrou superficial, pois a proposta permite que os 30% se tornem um teto, ao invés de um piso, não garantindo a proporcionalidade ao número total de candidaturas”.

O grande problema aqui é a tese de que a regulamentação dos partidos irá afetar de fato a participação do negro nas eleições e no governo. Isso é uma farsa, é a política do identitarismo. Aqui há dois pontos principais. O primeiro é que as leis são burladas de forma burocrática. Os partidos encontram o número necessário de negros e de mulheres e completam a cota apenas para poder disputar. O dinheiro é distribuído, mas a candidatura principal ainda consegue receber a maior quantidade.

Segundo, os candidatos negros podem ser todos direitistas, ou seja, inimigos dos negros e dos oprimidos. Há os casos emblemáticos de Helio Negão e Serio Camargo, os negros que Bolsonaro usava para oprimir os negros. Em relação à mulher, há o caso de Damares Alves, Michele Bolsonaro, Simone Tebet, Tabata Amaral. Elas são as que mais aparecem e são inimigas das mulheres. Já quando era uma candidatura séria da esquerda, a presidente Dilma, não houve cota que a salvasse.

A verdade é que da luta dos negros e das mulheres surgirão candidatos para participar das eleições. Fora isso, o que existe é algo burocrático. Imagine se inventam uma cota mais complexa, com índios, por exemplo. Os partidos da direita iriam na aldeia, na retomada, filiar qualquer um e lançá-lo por obrigação. Mas isso não seria bom para a luta pela terra. O que é bom é quando os índios que estão lutando se organizam e participam da política. É o mesmo para as mulheres e para os negros.

O texto continua: “Os artigos 2º e 4º da PEC são particularmente prejudiciais às candidaturas negras. O Art. 2º estabelece que os partidos podem escolher as localidades onde distribuirão os recursos, o que pode resultar em uma distribuição desigual e injusta. Além disso, a determinação de vigência para as eleições de 2024 desrespeita o princípio da anualidade das regras eleitorais”.

Já o Art. 4º impõe prazos para a distribuição dos recursos destinados às candidaturas negras, o que, à primeira vista, parece positivo. No entanto, ao condicionar a destinação mínima de recursos à aprovação de lei pelo Congresso Nacional, o texto invalida as determinações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pode transformar os 30% em um teto, ao invés de um piso garantido”.

Aqui também fica claro por que essas medidas burocráticas não funcionam. Se as candidaturas negras vêm da luta real, não importa a legislação, a não ser que ela seja uma lei racista que impeça o negro de participar, algo que nunca existiu no Brasil. Do movimento real saíram as candidaturas, não importa qual a regra, a justiça eleitoral invente. Ou seja, essa é a forma correta de ampliar a participação do negro na política.

A deputada continua: “Meu voto contra a PEC 9/2023 não foi apenas um ato político, mas um grito de indignação e resistência. Em um país onde a população negra ainda luta diariamente contra as estruturas racistas e excludentes, é inadmissível que uma emenda constitucional retroceda em conquistas que ainda são conquistadas a duras penas”.

Esse é outro problema das políticas identitárias, considerar que uma política de cotas eleitorais seja uma vitória do negro quando, na verdade, são totalmente irrelevantes para a população negra. Os negros, como camada mais oprimida da população brasileira, precisam de vitórias reais, salário, emprego, terra, direitos trabalhistas, etc. Precisa da extinção das polícias assassinas que existem atualmente como máquinas de massacre do povo negro. Não precisam de cotas eleitorais. Hoje em dia nem mesmo as cotas mais sérias com as das universidades estão sendo vitórias dos negros.

Ao se focar nas leis identitárias se perde a noção do que são conquistas para a população negra. Isso vai de encontro ao comentado acima sobre as dificuldades para os partidos. Ela afirma: “Continuarei lutando por um sistema eleitoral mais justo e inclusivo, que represente a verdadeira diversidade do nosso país”. Para os negros e todos os oprimidos, quanto mais regras forem impostas, mais difícil será sua participação na política.

Nesse sentido, as cotas não operam como cotas reais, elas não garantem vagas para os negros de fato, elas funcionam como apenas mais um ditame da justiça eleitoral que dificulta a atuação dos partidos nas eleições. O melhor possível para o negro e para todos os oprimidos era que o TSE diminuísse ao máximo todas as suas regras para que qualquer um pudesse se candidatar.

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Última Atualização: 19/08/2024