“Falei com o presidente Bolsonaro: aconteça o que acontecer, no dia 1º o senhor não será presidente.” A frase, dita nesta quarta-feira (21) pelo ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior, durante audiência no Supremo Tribunal Federal, tem peso histórico. Mais do que um alerta, ela revela o abismo em que o Brasil quase mergulhou a partir de janeiro de 2023. O depoimento confirmou o que as investigações da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República já vinham apontando: houve uma tentativa concreta, felizmente fracassada, de impedir a posse do presidente eleito.
Baptista Júnior relatou ter participado de reuniões no alto escalão militar com o então presidente Jair Bolsonaro, que discutia a instauração da GLO — Garantia da Lei e da Ordem — como pretexto para uma ruptura institucional. E confirmou que em um desses encontros, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, declarou que colocaria as tropas da força à disposição de Bolsonaro. Segundo Baptista, Garnier demonstrava incômodo com o resultado das urnas e se recusava a construir um consenso entre os comandos militares.
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Minuta do golpe
O relato traz ainda outro episódio gravíssimo: uma reunião no Ministério da Defesa, em 14 de dezembro de 2022, na qual foi apresentada uma minuta de decreto presidencial que impediria Lula de tomar posse. A proposta, segundo o depoente, previa uma série de medidas autoritárias, incluindo a prisão de ministros do STF e a suspensão da ordem democrática. Ao ver o documento sobre a mesa, Baptista reagiu imediatamente. “Falei: ‘esse documento prevê a não assunção do presidente no dia 1º de janeiro?’ Sim. Falei: ‘não admito sequer receber esse documento, não ficarei aqui’”, relatou.
O ex-comandante reafirmou ainda que o general Freire Gomes, então chefe do Exército, disse a Bolsonaro que poderia prendê-lo caso levasse adiante os planos. Embora Freire tenha negado o uso literal da palavra “prisão”, Baptista foi claro: “Ele, com toda educação, disse ao presidente que poderia ser preso sim, mantenho isso”.
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A confissão de que a prisão de autoridades como o ministro Alexandre de Moraes foi debatida em reuniões internas reforça o teor criminoso da conspiração. As falas coincidem com as revelações do tenente-coronel Mauro Cid, que entregou à Justiça detalhes de uma minuta golpista que previa o encarceramento de membros do STF e outras autoridades públicas.
Ao ser questionado pelo ministro Luiz Fux sobre por que o plano não foi adiante, Baptista foi direto: “A não participação unânime das Forças Armadas”. Esse talvez tenha sido o último obstáculo entre o país e uma ruptura institucional sem precedentes.
Golpe falhou por pouco
O depoimento do ex-comandante da Aeronáutica desnuda o papel de Bolsonaro e de parte da cúpula militar na tentativa de subverter o resultado eleitoral. Demonstra que o risco de golpe foi real e iminente. E só foi evitado porque parte dos militares manteve a legalidade.
Enquanto alguns optaram pela não ruptura, outros colocaram fardas a serviço de um projeto pessoal de poder. Cabe agora ao STF e à justiça julgar com firmeza os responsáveis por esse atentado contra o país.
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Da Redação