
Bancos públicos e a COP30: o financiamento da transição verde passa por aqui
por Fernanda Feil e Carmem Feijó
Quando a COP30 acontecer em Belém do Pará, em novembro, o financiamento climático estará no centro dos debates — e com razão. O planeta já ultrapassou vários limites ecológicos, enquanto países do Sul Global ainda aguardam recursos prometidos há mais de uma década. Mas o cenário mudou. Com a meta de mobilizar US$ 300 bilhões por ano até 2035 — e a ambição de chegar a US$ 1,3 trilhão anuais — a pergunta-chave agora é: quem vai pagar pela transição verde, e como?
Mais do que o volume de recursos, está em jogo a estrutura do sistema financeiro que pode viabilizar — ou travar — essa transição. Nesse contexto, os bancos públicos voltam a ocupar posição central, não apenas como financiadores, mas como agentes estratégicos.
Por muito tempo, a lógica dominante foi destravar capital privado por meio de recursos públicos, para reduzir riscos e atrair investidores. Essa abordagem guiou as políticas climáticas multilaterais, mas entregou pouco: o financiamento segue abaixo do necessário e o risco de endividamento aumentou. A COP30 traz à tona a necessidade de outro caminho — um modelo que reconheça o papel do Estado na transição e reposicione os bancos públicos como braços operacionais das políticas climáticas e ambientais.
Mais do que ofertar crédito, essas instituições têm capacidade de planejar, coordenar e transformar. Ao contrário dos bancos comerciais, que operam com foco no curto prazo e baixa tolerância ao risco, os bancos públicos atuam com mandatos de longo prazo e objetivos de interesse coletivo. Isso os torna essenciais para apoiar setores estratégicos, fomentar inovação verde e viabilizar mercados que o setor privado não alcança por conta própria.
Para cumprir esse papel, é necessário expandir o crédito concessional — com juros mais baixos, prazos longos e carência — e criar instrumentos de financiamento não reembolsável, como subsídios e fundos de apoio direto. Esses mecanismos são fundamentais para projetos de adaptação, preservação ambiental e fortalecimento de comunidades tradicionais, que geram valor coletivo, mas não retornos financeiros imediatos.
Esse arsenal financeiro permite apoiar infraestrutura verde, promover transições energéticas adaptadas a contextos locais, ampliar o crédito para pequenas e médias iniciativas sustentáveis e levar recursos a regiões historicamente excluídas pela lógica do mercado. Nessa equação, os bancos públicos não são uma opção emergencial — são pilares de uma transição climática justa e eficaz.
Para isso, precisam atuar de forma coordenada em três frentes. No plano multilateral, instituições como o BID e o Banco Mundial podem mobilizar grandes volumes de capital e alinhar agendas globais. No nível nacional, bancos como o BNDES têm capacidade de estruturar programas conectados às prioridades estratégicas do país. Já em âmbitos regionais e subnacionais, bancos com presença territorial e conhecimento local são fundamentais para implementar políticas públicas em territórios vulneráveis e afastados dos grandes centros.
Essa articulação entre escalas é especialmente importante em países como o Brasil, com forte desigualdade regional. A transição só será justa se for capaz de enfrentar essas desigualdades com políticas adaptadas aos territórios, evitando os erros centralizadores do passado.
Outro desafio central é redefinir o que entendemos por “valor” e “risco”. O sistema financeiro ainda trata natureza e clima como externalidades, o que exclui muitos projetos sustentáveis dos fluxos de capital. Bancos públicos têm a liberdade — e a responsabilidade — de mudar isso, incorporando impactos ecológicos e ganhos intergeracionais em seus critérios de decisão. Mas, para isso, precisam de marcos regulatórios atualizados, recursos estáveis e alinhamento com bancos centrais e ministérios da Fazenda.
A COP30 será a primeira conferência do clima realizada na Amazônia, um marco simbólico poderoso. Mas o simbolismo não basta. É hora de deixar um legado institucional e financeiro robusto, mostrando que a transição verde não se faz apenas com capital privado — ela exige políticas públicas com força institucional e capilaridade social.
E é exatamente aí que os bancos públicos são insubstituíveis: transformam metas climáticas em ação concreta, coordenam esforços, reduzem riscos, integram territórios e oferecem soluções de longo prazo para desafios estruturais.
Fernanda Feil – Diretora de Finanças Sustentáveis no Centro de Finanças Sustentáveis – CeFiS, Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia da UFF e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF
Carmem Feijó – Diretora Acadêmica no CeFiS, Professora titular na UFF, pesquisadora CNPQ e coordenadora do Finde/UFF
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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF
O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp
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