Bagrinho, uma falta de respeito
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
Poucas coisas causam-me maior revolta do que infantilizar a população. Partir da premissa de que todos são incapazes de gerir sua vida civil é colocar-se num patamar acima do ocupado pela população. Desde que começaram os processos contra os que participaram da tentativa de golpe de Estado, que a imprensa, alternativa ou não, vem alardeando que o STF só está pegando “bagrinho”, como se quem estava na Praça dos Três poderes gritando: “Vamos tomar de assalto!”, ou escrevendo “Perdeu Mané”, não fossem adultos, não fossem responsáveis por seus atos.
Agora, fala-se em crime de multidão, que as pessoas estariam ali, depois de passados mais de quarenta e cinco dias em frente aos quartéis pedindo intervenção militar, não soubesse o que estavam fazendo. Quantos deles tinham ensino superior? Quantos deles tinham título de eleitor? Quantos tinham CNH? Quantos deles oriundos das forças armadas, mesmo que somente participando do Tiro de Guerra? Pode ser que um ou outro tivesse algum distúrbio mental, mas todos estava lá em posse de suas faculdades mentais, conscientes do que estava acontecendo; resumindo, todos adultos, todos considerado aptos a gerir sua vida civil.
Tratá-los todos como uma subespécie, como bagrinhos, como raia miúda é, antes de tudo, a institucionalização do elitismo que muito bem pode ser praticado pela esquerda ou pela direita, revoltante da mesma forma, com idêntica medida. Se isso satisfaz interesses políticos, é secundário. Se todos os cidadãos fossem tratados com a igualdade que sua condição requer, esse argumento não teria passado pela cabeça de nenhum político, independentemente de partido.
Combatamos todos a infantilização que se pretende atribuir ao povo porque, se aceitarmos a divisão entre bagrinhos e tubarões, afiançaremos o fim da democracia, haja vista que ela se assenta sobre a igualdade entre seres humanos.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.
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