Bretas negou ao CNJ ter tratado de delação, mas citou áudio em que promete ‘aliviar’ acusações

O juiz Marcelo Bretas disse à Corregedoria Nacional de Justiça que não tratou da situação do empreiteiro Fernando Cavendish em reunião com o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho e o procurador da República Leonardo Cardoso de Freitas. Porém, no mesmo ofício Bretas mencionou áudio da conversa em que prometeu “aliviar” acusações contra o empresário.

Em fevereiro, o CNJ prorrogou por mais 90 dias três processos administrativos disciplinares contra Bretas — que está afastado do cargo desde fevereiro de 2023. Como o prazo se encerrou, os casos podem ser julgados pelo conselho em breve. Há uma forte pressão de lavajatistas para que o julgador seja absolvido.

Antigo titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Bretas é julgado pelos abusos que praticou na filial fluminense da “lava jato”. E não foram poucos. Os procedimentos estão nas mãos do conselheiro José Rotondano, após três trocas de relator. O juiz pode até ser punido com a aposentadoria compulsória.

Na “lava jato”, Bretas constantemente atuou para inviabilizar o exercício do direito de defesa pelos acusados. Os advogados dos réus não tinham acesso a acordos de colaboração premiada — os principais pilares das ações penais —, a atas de audiências e a outros documentos. O juiz afastado também usou diversos mecanismos ilegais para manter processos sob sua alçada.

Bretas ordenou 806 buscas e apreensões, 70 prisões temporárias e 264 prisões preventivas. O Ministério Público Federal denunciou 887 pessoas e o juiz condenou 183 delas — os dados, do Ministério Público Federal, incluem os julgados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Reunião sobre delação

Em ofício enviado em junho de 2021 à então corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, Marcelo Bretas afirmou que, na reunião que teve com Nythalmar Dias Ferreira Filho, não tratou da situação de Fernando Cavendish, representado pelo criminalista.

De acordo com o juiz, em 7 de agosto de 2017, pouco antes da audiência de interrogatório de Cavendish, Nythalmar e Leonardo Cardoso pediram a ele uma reunião. Os dois anunciaram que haviam fechado um acordo de colaboração premiada, que seria posteriormente formalizado nos autos. E, por isso, o empreiteiro confessaria as acusações da denúncia.

“Importante reiterar que não participei de nenhuma conversa sobre os termos do que seria o acordo de colaboração anunciado, e apenas fui informado sobre a conclusão do mesmo nos minutos que antecederam a audiência de interrogatório do acusado referido”, disse Bretas.

Na audiência, Cavendish assumiu expressamente a postura de colaborador do MPF, referindo-se a “condições que tiver que cumprir” e “estar colaborando com a Justiça”, e confessou os crimes descritos na denúncia, narrou Bretas. O acordo foi assinado em 20 de novembro de 2018 e homologado pelo juiz em 16 de janeiro de 2019.

Bretas alegou que a única conclusão possível é a de que jamais participou “de qualquer conversa ou reunião em que fossem tratados os termos do acordo de colaboração do acusado Fernando Cavendish”.

“É, em verdade, providência despicienda a comunicação ao juiz de que as partes fecharam acordo de colaboração premiada e que o acusado colaborador confessará os crimes da denúncia, mas é fato que as partes assim agiram sem minha solicitação, consentimento ou consulta prévia”, continuou o juiz.

“Finalmente, como já dito linhas acima, é fantasiosa e mentirosa a afirmação de que agi com parcialidade, combinando estratégias ao mesmo tempo com o advogado e com o Ministério Público, além de ser totalmente confusa e absurda a alegação de que, ao mesmo tempo, eu orientava e pressionava os advogados.”

Contradição explicitada

No mesmo ofício, porém, Marcelo Bretas faz menção ao áudio da reunião que teve com Nythalmar e Leonardo Cardoso antes do interrogatório de Fernando Cavendish. E o registro confirma que o juiz prometeu “aliviar” acusações contra o empresário, conforme noticiado pela revista Veja.

O veículo transcreveu a gravação, na qual Bretas afirma: “Você pode falar que conversei com ele, com o Leo (Leonardo Cardoso), que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar”. Ele continua: “E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos”.

Os “43 anos” se referem à decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o que gerou temor generalizado nos réus.

Acesso negado

Principal testemunha das reclamações contra Marcelo Bretas no CNJ, Nythalmar Dias Ferreira Filho vem sendo impedido de compartilhar as provas que detém contra o julgador. E é alvo de campanha para desacreditar seus relatos.

A Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a pedido do CNJ, intimou, no fim de janeiro, Nythalmar a juntar aos processos uma cópia do áudio da conversa entre ele, Bretas e Leonardo Cardoso sobre a delação de Fernando Cavendish, além de outros documentos.

O problema é que Nythalmar não tem como enviar o áudio, pois teve seus arquivos apreendidos em busca feita pela Polícia Federal. No começo de fevereiro, a 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro negou o pedido do advogado para que ele tivesse acesso ao material — que foi obtido em 2020 e ainda não foi periciado pela PF.

Até o momento, o advogado ainda não conseguiu autorização da Justiça para obter o material que pertence a ele próprio.

Em dezembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região deixou de homologar o acordo de colaboração premiada de Nythalmar pela suposta falta de provas de corroboração dos depoimentos. O advogado afirma que Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o MPF.

A não ratificação do acordo não interfere nos processos contra o juiz no CNJ. O conselho analisa se ele cometeu infrações disciplinares, não crimes, para os quais a versão do delator precisa de corroboração por outras provas. Nythalmar foi ouvido como testemunha no fim de 2024 nos procedimentos no CNJ, mas há outras pessoas que acusam o juiz de ilegalidades no órgão.

Campanha difamatória

Como Nythalmar é a principal testemunha dos processos contra Marcelo Bretas, ele vem sendo alvo de uma campanha de lavajatistas para desacreditar seus relatos. A investida tem como base um relatório produzido pela PF a partir de arquivos do celular e do computador do advogado.

O documento afirma que Nythalmar tinha, em seu computador, um arquivo com alto nível de proteção criptográfica. Os agentes não conseguiram descobrir para que servia, mas alegaram que o software era usado para esconder práticas ilícitas. A verdade, porém, é bem mais prosaica: trata-se do certificado digital da Ordem dos Advogados do Brasil, usado por profissionais para assinar documentos digitalmente.

O documento da PF também menciona o envolvimento de Nythalmar com a milícia. No entanto, faz isso sem apontar elementos contundentes. O empresário Rogerio Caetano da Silva enviou mensagem ao advogado em junho de 2020 sobre um projeto de fábrica de botijões de gás.

“Rogério é empresário e consta no quadro societário de diversas empresas de distribuição de gás, sendo a maioria em área notadamente sob controle de milícia como Campo Grande, Nova Iguaçu e Taquara. Nythalmar responde que já falou com ‘Rocinha’ e este disse para levar ‘ao cara’. Nenhuma das duas pessoas citadas na mensagem foi qualificada até o momento”, cita o agente da PF.

No entanto, o criminalista, na conversa, diz que falou com “Rochinha”, e não “Rocinha”. Portanto, não há referência à favela da Zona Sul do Rio.

Outro arquivo trata de conversa de 2016 do advogado com Fabio Tavares Rangel. Segundo a PF, em determinado momento, eles falam sobre a amizade com Didil, possivelmente se referindo a Wellington da Silva Braga, também conhecido como o miliciano Ecko. Trata-se, entretanto, de um empresário, que consta de contrato social. “O conteúdo dos diálogos não sugere relação com os fatos abordados, motivo pelo qual o áudio não está degravado”, admite a PF.

Não é a primeira vez que tentam descredibilizar Nythalmar no CNJ. Em 2021, o empresário e delator Ricardo Siqueira Rodrigues afirmou à então corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que o advogado havia lhe oferecido serviços dizendo ter excelente relação com Marcelo Bretas e com procuradores lavajatistas. Contudo, registros da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio (Seap) demonstram que Nythalmar não esteve no presídio de Bangu 8 no período apontado pelo colaborador.

Publicado originalmente pelo Conjur em 28/05/2025

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Last Update: 28/05/2025