Um dia após a vitória eleitoral do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, o governo brasileiro ainda não reconheceu o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a maior autoridade eleitoral do país vizinho. Após a divulgação da vitória de Maduro, apenas governos de países com maior autonomia como China, Rússia, Irã e Cuba haviam reconhecido a vitória do chavismo. Já o Ministério das Relações Exteriores publicara apenas uma nota até o fechamento dessa edição de Diário Causa Operária, destacando “o caráter pacífico da jornada eleitoral na Venezuela”, mas que aguardava a “publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados indispensáveis para a transparência”, conforme pode ser lido na nota que reproduzimos abaixo:

“O governo brasileiro saúda o caráter pacífico da jornada eleitoral de ontem na Venezuela e acompanha com atenção o processo de apuração.

Reafirma ainda o princípio fundamental da soberania popular, a ser observado por meio da verificação imparcial dos resultados.

Aguarda, nesse contexto, a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito.”

A pressão exercida pelo imperialismo contra o governo brasileiro mostra, finalmente, a utilidade da campanha orquestrada contra as eleições venezuelanas, que, desde o começo, mostravam resultados sabidamente mentirosos em pesquisas de opinião, segundo as quais a oposição teria entre 60% e 70% dos votos. Evidentemente uma fraude, mas que serviu para animar a claque fascista existente no país vizinho, organizada e impulsionada pelos EUA. Além disso, as tais “pesquisas” são utilizadas agora para acuar os governos estrangeiros, em especial o mais importante governo da América Latina (o brasileiro), para promover um isolamento da Venezuela na região e no mundo.

Em entrevista ao jornal O Estado, o chanceler da República, o ex-ministro e atual assessor do presidente Lula Celso Amorim, usou o tradicional “uma no cravo, outra na ferradura” da política lulista, criticando a “proclamação do resultado sem a disponibilidade das atas”, mas defendendo o sistema eleitoral venezuelano: “não permite manipulação” (Amorim na Venezuela: ‘Sou amigo de César, mas sou mais amigo da verdade. Estou procurando a verdade’, Janaína Figueiredo, 29/7/2024).

“Há dúvidas sobre os dois lados”, continua a matéria de O Estado, acrescentando que “uma das fontes consideradas mais confiáveis pela missão chefiada por Amorim é o Centro Carter. Os enviados das Nações Unidas também conversam com representantes do governo brasileiro, mas existem algumas dúvidas na missão enviada por Lula sobre suas tendências políticas.”

A matéria, por fim, destaca a responsabilidade do imperialismo com a situação criada no país vizinho, o que “não teria acontecido” se adotassem outra política, disse Amorim ao Estado:

“Nesta segunda, Amorim reiterou que foi ‘um grave erro a União Europeia ter dado motivo ou pretexto para ser desconvidada [pelo governo venezuelano para ser observador]’. O argumento do governo Maduro é de que a UE não suspendeu, como prometera, sanções contra o país e funcionários de seu governo, entre eles a vice-presidente Delcy Rodríguez.

— [Se a UE tivesse vindo] Não teria acontecido nada disso — assegurou o enviado de Lula.”

A demora do governo brasileiro em tomar uma posição, finalmente, embora não seja uma declaração formal de apoio ao imperialismo, cumpre um papel importante no cerco que a ditadura mundial promove contra o país vizinho. Ao longo de sua história, a direita venezuelana nunca deixou dúvidas quanto ao seu caráter abertamente fascista, tendo provocado inúmeras mortes que se contam na casa das centenas em episódios como o golpe de abril de 2002, derrotado por uma insurreição revolucionária das massas venezuelanas.

A indecisão do governo do maior país do continente, que reluta em reconhecer a vitória de Maduro por medo, é um convite a empreendimentos mais ousados por parte dessa direita apoiada pelos EUA e pela Europa. Além de apoiar o golpismo no país vizinho, essa vacilação serve também para abrir mais um flanco à direita nacional, como mostra matéria do Folha de S.Paulo:

“As hesitações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acabaram deixando o Brasil isolado em relação às cobranças mais contundentes de outros presidentes sobre a transparência no pleito deste domingo (28).

A inação de Lula contrasta ainda com a reação de outros presidentes da América do Sul, como os da Argentina, Javier Milei, e do Chile, Gabriel Boric.”

Na propaganda bolsonarista, Lula já é apresentado como “hesitante” e “inativo”, praticamente um chamado para ação da extrema direita brasileira. A posição adotada pelo governo, de exigir do regime bolivariano provas de confiabilidade quanto ao processo eleitoral que nunca exigiu dos governos norte-americanos ou europeus, só reforçam a debilidade do Palácio do Planalto (sede do governo federal). Atirar a Venezuela aos tubarões dos EUA e da Europa para se salvar não é “pragmatismo”, mas covardia, algo que os inimigos do governo do PT já perceberam e só pode ser revertido com uma mudança na política.

Para se salvar, o presidente Lula precisa reconhecer a vitória de Maduro e deve fazê-lo o quanto antes. Não se trata mais apenas de agir. O tempo está contra o Planalto.

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Última Atualização: 30/07/2024