O ativista Zackie Achmat, 63 anos, ícone da luta contra a AIDS na África do Sul por um tratamento vital para o HIV, saiu da aposentadoria, agora que os cortes de verbas dos EUA.
Nos anos 2000, o veterano enfrentou o governo sul-africano por acesso ao tratamento do HIV. Agora, retorna à cena, alarmado por cortes de verba dos EUA e inércia estatal.
Achmat, que se notabilizou por enfrentar o governo de Thabo Mbeki nos anos 2000 para garantir o acesso a medicamentos antirretrovirais (ARVs), havia se retirado da linha de frente. Morava em uma fazenda de romãs, cuidava de cães e se dedicava à política anticorrupção. Já não pensava em HIV, confiando no robusto sistema de tratamento que ajudou a conquistar.
A realidade mudou com a decisão do governo dos Estados Unidos, sob Donald Trump, de cortar verbas do PEPFAR — o programa que durante duas décadas sustentou parte importante da resposta global à AIDS. A África do Sul perdeu US$ 440 milhões anuais, usados para pagar salários de profissionais de saúde e manter clínicas e vans móveis que atendiam populações vulneráveis.
“Minha clínica fechou da noite para o dia”, contou Achmat.
Uma resposta insuficiente
O governo sul-africano, que hoje arca com grande parte dos custos do programa de HIV, minimizou a crise. O ministro da Saúde, Dr. Aaron Motsoaledi, declarou que havia medicamentos disponíveis nas clínicas públicas e que “não havia motivo para pânico”. Mas o silêncio prolongado do ministério e a ausência de um plano concreto acenderam o alerta entre especialistas e ativistas.
Em Joanesburgo, o médico François Venter publicou um artigo com o título alarmante: “O programa de HIV da África do Sul está entrando em colapso — e nosso governo está ausente.” A Dra. Glenda Gray, responsável por um importante centro de pesquisa em HIV, desabafou: “Por que temos tanta vergonha de dizer que precisamos de ajuda?”
O próprio Achmat voltou à ativa, reunindo antigos membros da Campanha de Ação para o Tratamento (TAC) — movimento que fundou em 1998 — para pressionar o governo por respostas.
Zackie Achmat carrega no corpo e na memória o peso de décadas de militância. Diagnosticado com HIV em 1990, recusou-se a tomar ARVs até que todos na África do Sul tivessem acesso. Desafiou o negacionismo de Mbeki, enfrentou empresas farmacêuticas e forçou mudanças por meio dos tribunais. Sua imagem — com a camiseta “HIV positivo” — tornou-se símbolo de uma era.
Hoje, vê com pesar o retorno da incerteza. “Não acredito que estamos fazendo isso de novo”, lamenta, ao rever os recortes de jornais que decoram sua casa.
Na recente reunião do governo sobre políticas de tabaco, Achmat confrontou publicamente o subsecretário de saúde, Dr. Sibongiseni Dhlomo. “Pessoas estão morrendo!”, gritou. A resposta foi dura: “Esses dias acabaram”, disse o representante do governo, tentando calar o ativista.
Mas os dias da luta, para Achmat, estão longe de acabar.
Embora o programa nacional de HIV ainda esteja de pé e distribuindo medicamentos, os efeitos dos cortes são visíveis. Clínicas estão sobrecarregadas, filas aumentaram e dezenas de milhares perderam o acesso à prevenção.
Segundo o Serviço Nacional de Laboratórios de Saúde, as taxas de testagem diminuíram. Em resposta tardia, o governo anunciou um fundo emergencial de US$ 33 milhões — menos de um décimo do valor perdido com o fim do PEPFAR.
“O medo é de que tudo volte”, diz Stephen Lewis, ex-enviado especial da ONU para HIV/AIDS. “No meio da noite, os ativistas ainda ouvem os sons dos hospitais lotados — o tilintar das camas enquanto retiram os mortos das enfermarias.”
Achmat não descarta recorrer novamente à Justiça. Ele sabe que tem o histórico e a reputação necessários para incomodar. “Se me virem”, diz, “vão tremer em suas malditas botas.”
*Com informações do The New York Times.
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