A nova edição do Entrelinhas Vermelhas, exibida nesta quinta-feira (28), abordou as consequências do chamado “Tarifaço de Trump” — a imposição pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de tarifas pesadas sobre importações de produtos brasileiros — e a resposta do governo brasileiro por meio do lançamento do Programa Brasil Soberano. Para discutir o tema, o programa contou com a participação do professor Marcelo Manzano, economista, doutor em desenvolvimento econômico e professor do Instituto de Economia da Unicamp.

O episódio destacou que a medida de Trump representa uma afronta direta à soberania nacional e ignora dados elementares da economia, como o fato de que o Brasil já é deficitário nas negociações comerciais com os EUA. Apesar de o impacto ter sido amenizado pela diversificação das exportações brasileiras — os Estados Unidos responderam por apenas 11% dos embarques do país, enquanto a China lidera com 30% —, um aumento tarifário poderia trazer graves consequências para empresas e trabalhadores.

Manzano classificou as ameaças de Trump como uma “insanidade” sem cabimento econômico, ressaltando que as tarifas acabariam prejudicando mais a economia norte-americana, especialmente pela pressão inflacionária sobre bens essenciais como café e carne.

Assista a íntegra da entrevista:

Impacto no emprego e setores estratégicos

Uma das preocupações centrais da análise foi o impacto potencial no mercado de trabalho. Segundo estudo citado por Manzano, caso as tarifas fossem aplicadas integralmente, poderiam ser perdidos até 700 mil empregos no Brasil, a maioria formal e de qualidade. Um dos exemplos mais críticos foi o da Embraer, que inicialmente sofreu uma ameaça de tarifa de 50% sobre suas exportações. O professor explicou que parte da produção da empresa ocorre nos EUA, com peças recebidas do Brasil, o que tornaria a medida um “tiro no pé” para a própria indústria aeroespacial americana.

Trump já recuou, reduzindo a tarifa para 10% — e Manzano acredita que até essa alíquota será retirada devido à pressão econômica interna nos EUA.

Brasil Soberano: um programa emergencial com potencial estrutural

Em resposta à crise, o presidente Lula lançou o Programa Brasil Soberano , com R$ 30 bilhões em linhas de crédito e financiamento de contribuições do superávit do Fundo Garantidor de Exportações. O programa prevê:

  • Crédito subsidiado para empresas afetadas;
  • Renegociação ou postergação de impostos;
  • Compra de produtos de pequenos e médios produtores, especialmente nos setores públicos de alimentos frescos.

Um dos pontos mais inovadores, segundo Manzano, é a condição de manutenção dos empregos como contrapartida para o acesso aos recursos — uma mudança em relação às políticas passadas, como no governo Dilma, quando os benefícios fiscais foram concedidos sem garantia de preservação de postos de trabalho.

“É um aprendizado com os erros do passado”, afirmou o economista, destacando que essa exigência torna o programa mais justo e eficaz do ponto de vista social.

Oportunidade de diversificação e industrialização

Apesar da atuação de Trump, Manzano vê no episódio uma “janela de oportunidade” para o Brasil. A crise forçou o país a acelerar negociações com novos parceiros, como o Canadá, para exportação de carne, e fortaleceu laços com a China, que passou a autorizar 138 empresas chinesas a importar café brasileiro.

Além disso, há uma chance de escalar a cadeia produtiva, com maior valor agregado e mais investimentos. “Podemos subir degraus nas cadeias globais de valor”, disse Manzano, defendendo que o momento exige políticas estruturais de industrialização, soberania tecnológica e defesa comercial.

Retaliação estratégica e defesa do PIX

O programa também discutiu as possíveis retaliações brasileiras. Em vez de uma resposta tarifária generalizada — que poderia trazer inflação ao Brasil —, o governo estuda medidas mais estratégicas. Uma delas é a tributação das Big Techs, empresas digitais norte-americanas que lucram no Brasil sem pagar impostos e que contribuem para a precarização do trabalho, como Uber e 99.

Manzano elogiou a postura do governo em defender o PIX como um bem público estratégico e imune a negociações com os EUA. “O Pix corta o oligopólio dos cartões de crédito e precisa ser protegido”, afirmou.

Também foi destacada a importância de não usar as terras raras — minerais estratégicos em que o Brasil é o segundo maior detentor do mundo — como moeda de troca. O governo já sinalizou que não abrirá mão da soberania sobre esses recursos.

Efeitos políticos: uma nova aliança em torno da produção

Um dos desdobramentos mais surpreendentes do conflito foi o rearranjo político no Brasil. Empresários, sindicatos e relações comerciais estão, pela primeira vez em décadas, alinhados em torno da defesa da produção nacional e da soberania econômica.

“Trump conseguiu reinventar a burguesia nacional brasileira”, brincou um economista em grupo de WhatsApp, citado por Manzano. Até sessões tradicionalmente alinhadas à direita, como parte do agronegócio, ofereceu apoio ao governo Lula, em contraste com a postura de figuras como Tarcísio de Freitas, que foi criticada por demonstrar simpatia com a agenda de Trump.

Um Brasil mais forte diante da crise

Apesar dos riscos, o quadro atual mostra um Brasil mais unido, mais estratégico e mais consciente de sua posição no mundo. O governo Lula, segundo Manzano, tem se portado com altivez e inteligência , ganhando reconhecimento internacional — inclusive de economistas como Paul Krugman, Joseph Stiglitz e Dani Rodrik, que elogiaram a liderança brasileira em artigos e palestras.

“O saldo pode ser positivo no médio e longo prazo”, concluiu o professor. “O que parecia uma ameaça pode se transformar em uma oportunidade histórica para o desenvolvimento soberano do Brasil.”

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Last Update: 28/08/2025