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Ataque de Israel ao Irã pode escalar a guerra na região, analisam Professores da FESPSP

Em um primeiro momento, no entanto, a tendência é de que o Irã busque preservar sua credibilidade estratégica, por meio de retaliações diretas e indiretas

Para Israel, ao contrário, o ataque desta sexta-feira (13) pode ter implicações ainda mais negativas para sua legitimidade internacional

Na madrugada desta sexta-feira, 13 de junho, Israel realizou uma ofensiva aérea sem precedentes contra o Irã, atingindo a instalação nuclear de Natanz e alvos militares estratégicos. Teerã respondeu com drones contra Israel e prometeu represálias, consolidando um conflito declarado entre os dois estados e encerrando as negociações diplomáticas mediadas por Washington.

Para a doutora em Relações Internacionais e professosra da FESPSP (Escola de Sociologia e Política), Ana Carolina Marson, o ataque israelense representa um ponto de inflexão no já volátil equilíbrio estratégico do Oriente Médio, elevando qualitativamente o nível de confrontação, com risco de um conflito direto e de difícil contenção. Longe de uma vitória garantida, a ação de Israel pode ter implicações negativas para sua legitimidade internacional, avalia a Professora. “Ainda que o Irã seja amplamente percebido como um ator revisionista e isolado no sistema internacional, ataques unilaterais e preventivos — especialmente contra instalações nucleares — tendem a ser mal recebidos em fóruns multilaterais e podem reforçar percepções de Israel como um Estado agressor”, diz Ana Carolina.

A escalada regional também é uma possibilidade concreta para Alexandre Coelho, doutor em Relações Internacionais e professor da FESPSP, embora ele não acredite que isso acontecerá em um primeiro momento. Isso porque, segundo sua análise, o Irã buscará preservar sua credibilidade estratégica, por meio de retaliações diretas e indiretas.

Entre as possíveis medidas, diz ele, “destaca-se a ameaça de bloqueio do Estreito de Ormuz, por onde transita cerca de 20% do petróleo global, o que pressionaria ainda mais os preços internacionais da energia. Além disso, Teerã poderá mobilizar suas forças por procuração — como os Houthis no Iêmen e o Hezbollah no Líbano — para atacar alvos israelenses ou interferir nas rotas marítimas do Mar Vermelho e do Canal de Suez, prejudicando o transporte comercial global e elevando os riscos de disrupção logística em larga escala”.

Veja a seguir a íntegra das análises dos especialistas em Relações Internacionais da FESPSP.

ANA CAROLINA MARSON – Professora de Relações Internacionais da FESPSP

O ataque conduzido por Israel contra instalações militares iranianas representa um ponto de inflexão no já volátil equilíbrio estratégico do Oriente Médio. A justificativa israelense, centrada na acusação de que o Irã detém urânio enriquecido suficiente para a fabricação de uma arma nuclear, reflete tanto preocupações de segurança quanto uma estratégia mais ampla de contenção regional. O bombardeio da usina de enriquecimento de Natanz e a morte de membros do alto escalão militar e científico iraniano indicam a natureza deliberadamente provocativa e simbólica da operação. O incidente insere-se em um contexto de tensões latentes entre Israel e Irã. No entanto, o ataque aéreo eleva qualitativamente o nível de confrontação, aproximando-o de um conflito direto e de difícil contenção.

A resposta do Irã, ao levar a questão ao Conselho de Segurança da ONU, pode sinalizar uma tentativa de internacionalizar o debate e buscar respaldo em mecanismos multilaterais, o que pode ser interpretado como uma estratégia de contenção diplomática — embora não exclua uma retaliação assimétrica no médio prazo. Ainda assim, o discurso de Khamenei, ao prometer custos elevados a Israel e aos EUA, evidencia que a escalada não está descartada.

O posicionamento das grandes potências ilustra a crescente internacionalização da crise. Os Estados Unidos, embora tenham se distanciado da autoria do ataque, mantêm uma postura ambígua, alertando o Irã para que não alveje suas bases militares. Tal postura denota a dificuldade americana em equilibrar o apoio histórico a Israel com a necessidade de evitar uma guerra regional que comprometeria seus interesses estratégicos. Já a Rússia, ao condenar o ataque e reiterar seu apoio ao Irã, posiciona-se como contraponto direto ao eixo EUA-Israel, acentuando as linhas de polarização globais que se refletem no Oriente Médio.

A médio prazo, a ação israelense pode ter implicações negativas para sua legitimidade internacional. Ainda que o Irã seja amplamente percebido como um ator revisionista e isolado no sistema internacional, ataques unilaterais e preventivos — especialmente contra instalações nucleares — tendem a ser mal recebidos em fóruns multilaterais e podem reforçar percepções de Israel como um Estado agressor. Isso pode gerar desconforto mesmo entre seus aliados tradicionais, particularmente se houver uma escalada que comprometa a segurança regional de forma mais ampla.

ALEXANDRE COELHO – Professor de Relações Internacionais da FESPSP

O ataque matou líderes da Guarda Revolucionária e cientistas nucleares, com o objetivo de desarticular a capacidade iraniana de desenvolver armas atômicas. Teerã respondeu com drones contra Israel e prometeu represálias, consolidando um conflito declarado entre os dois Estados e encerrando as negociações diplomáticas mediadas por Washington.

No curto prazo, o Irã buscará preservar sua credibilidade estratégica por meio de retaliações diretas e indiretas. Entre as possíveis medidas, destaca-se a ameaça de bloqueio do Estreito de Ormuz, por onde transita cerca de 20% do petróleo global, o que pressionaria ainda mais os preços internacionais da energia.

Além disso, Teerã poderá mobilizar suas forças por procuração — como os Houthis no Iêmen e o Hezbollah no Líbano — para atacar alvos israelenses ou interferir nas rotas marítimas do Mar Vermelho e do Canal de Suez, prejudicando o transporte comercial global e elevando os riscos de disrupção logística em larga escala.

Geopoliticamente, a escalada regional é uma possibilidade concreta. Os Estados Unidos, embora oficialmente não envolvidos, foram previamente informados da operação e já reposicionaram ativos militares para proteger suas bases e aliados. A Rússia pode instrumentalizar a crise para desviar o foco da guerra na Ucrânia e enfraquecer o Ocidente, enquanto a China acompanha com preocupação os impactos sobre a estabilidade energética e comercial, podendo intensificar seu papel diplomático.

O episódio evidencia, mais uma vez, o colapso das instituições multilaterais. O Conselho de Segurança da ONU permanece paralisado, mesmo após o protesto formal do Iraque, que denunciou a violação de seu espaço aéreo pelos caças israelenses. AAgência Internacional de Energia Atômica (AIEA) carece de mecanismos coercitivos, e o regime internacional de contenção nuclear está enfraquecido. O sistema global, diante de sua incapacidade de regulação efetiva, cede espaço a uma lógica de ações unilaterais, soberania armada e autodefesa.

Neste contexto, o ataque israelense torna-se mais do que uma resposta táctica: simboliza a transição para uma nova fase da política internacional, marcada pela erosão das normas coletivas, pela marginalização do multilateralismo e pela centralidade da força como instrumento de gestão de rivalidades estratégicas.

Resta a pergunta: quem — e com que legitimidade — controlará o uso da força em um sistema onde as instituições falharam? “

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Last Update: 13/06/2025