Semana Camponesa do MST no Rio Grande do Norte cobra assentamentos em Perímetros Irrigados. Foto: Matheus Mendes

Por Profª. Drª. Jovelina Silva Santos – UERN*
Para Página do MST

Nesta semana, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, anunciou a intenção de destinar 460 hectares para assentar cerca de cem famílias camponesas Sem Terra na área do Perímetro Irrigado Osvaldo Amorim, no Baixo-Açu, no estado. A sinalização do governo em finalmente efetivar esse assentamento gerou reação autoritária de setores do agronegócio, que reivindicam a exclusividade do perímetro irrigado para a agricultura empresarial.

Essa posição é inaceitável. O Perímetro Irrigado Baixo-Açu foi implantado com recursos públicos, mas jamais cumpriu seus propósitos originais. Ao contrário: favoreceu historicamente grandes produtores e excluiu os pequenos agricultores. Desde os anos 1980, a região vivencia uma conflitualidade permanente. Por um lado, há forte presença estatal em favor da agricultura de exportação; por outro, observa-se a negligência com a agricultura de alimentos, produzida pelas mãos camponesas sob outra lógica — mais diversa, mais sustentável —, mas ainda carente de crédito, assistência técnica e acesso ao mercado.

Há quase uma década, centenas de famílias agricultoras ocupam uma pequena gleba do Perímetro Irrigado Osvaldo Amorim, cuja área irrigável é de 6.360,77 hectares, no Baixo-Açu. As negociações com os governos avançaram lentamente, travadas pela resistência feroz dos setores que se beneficiaram, durante anos, da concentração de terra e de água. A proposta dos agricultores Sem Terra é justa e necessária, mas esbarra na oposição daqueles que desejam perpetuar um modelo autoritário, que concentra terra e gera exclusão social.

Foto: Ari Oliveira

É preciso lembrar que esse perímetro integrava uma das etapas do ambicioso Projeto Baixo-Açu e prometia assentar 2.812 famílias. A construção da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves atraiu grandes empresas agrícolas para o Vale do Açu, ampliando a concentração fundiária e empurrando para mais distante o propósito de distribuição da terra entre os agricultores pobres. E assim, a promessa de terra para as famílias da região foi se tornando miragem. E, quando finalmente foi implantado, o Perímetro Osvaldo Amorim fracassou em seu compromisso com os pequenos irrigantes, que foram simplesmente excluídos.

O argumento de que um assentamento rural em área de perímetro irrigado poderia “assustar” empresários é desprovido de lógica e se sustenta apenas em visões preconceituosas e criminalizadoras dos movimentos sociais. Trata-se de mais uma tentativa de manter o monopólio da terra e negar o protagonismo da agricultura familiar, justamente quando o país ainda luta contra a fome.

O mais recente relatório da FAO de 28 de julho de 2025, indicou que o Brasil saiu novamente do Mapa da Fome, mas a insegurança alimentar ainda persiste. E não há dúvidas: a agricultura familiar tem papel central na superação da fome. Os movimentos sociais que lutam por uma Reforma Agrária Popular são essenciais nesse processo. A diversidade e a qualidade dos alimentos que vêm das mãos camponesas, como hortaliças, raízes, grãos, frutas — representam o caminho real para uma segurança alimentar e nutricional sólida. Dados do IBGE confirmam: 62% da produção de hortaliças no país vem da agricultura familiar.

Além disso, o déficit da Reforma Agrária no RN atinge cerca de 5 mil famílias, o que torna urgente e imprescindível a ação do Estado para acelerar os assentamentos e fortalecer políticas públicas voltadas à democratização do acesso à terra. Apesar do silêncio oficial e do desconhecimento de boa parte da sociedade, o acampamento Antônio Batista, situado na área do Perímetro Irrigado Baixo-Açu, já produz — mesmo sob condições hostis — uma diversidade de alimentos saudáveis e reproduz, com resistência e esperança, o sonho camponês: terra para viver e produzir com dignidade.

Sobre a experiência de assentamentos rurais em áreas de perímetros irrigados trazemos o exemplo da Bahia e do Ceará. Neste ano de 2025, o estado destinou mais de 3 mil hectares para assentar famílias organizadas pelo MST e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) em áreas irrigadas no município de Ponto Novo. No Ceará, embora não tenha ocorrido a regularização do assentamento, verifica-se situação semelhante: no Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, há um acampamento do MST reivindicando área para a agricultura familiar. E, ao contrário do que pregam os setores conservadores, os empresários não estão batendo em retirada ou recusando-se a produzir nessas áreas em virtude da presença dos camponeses. Decerto, não estamos afirmando que não há disputas pelo território, contudo, não se trata de impossibilidade de coexistência destes modelos produtivos. Negar essa possibilidade é sustentar, por conveniência política ou econômica, a narrativa de que o campo só pode ser ocupado por um único tipo de produtor — o que não corresponde à realidade nem aos interesses da sociedade brasileira.

Diante disso, reafirmamos: o Estado brasileiro e o Rio Grande do Norte, em particular, não pode continuar adiando sua responsabilidade histórica de resolver os conflitos agrários. É urgente garantir o direito à terra, à água, ao trabalho e à dignidade a milhares de famílias que lutam para permanecer no campo.

Políticas públicas que caminhem nessa direção servirão não apenas à justiça social, mas também ao fortalecimento de um projeto de desenvolvimento rural mais justo, soberano e sustentável.

*Integrante do GEPES – Coletivo UMBU

**Editado por Solange Engelmann

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Last Update: 30/07/2025