Assembleia Legislativo do Rio contraria STF e aprova soltura de Rodrigo Bacellar

Em um ato que aprofunda a crise institucional entre o Legislativo fluminense e o Judiciário, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou, na tarde desta segunda-feira (8), a revogação da prisão preventiva de seu presidente, Rodrigo Bacellar (União Brasil). A decisão, consolidada por 42 votos a 21, não apenas confronta a ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), como também expõe a articulação de uma base política que, segundo investigações e análises de especialistas, atua sistematicamente para proteger interesses ligados ao crime organizado.

Direita dá vitória a suspeito de envolvimento com crime organizado

A sessão extraordinária foi marcada por uma polarização clara. O relatório favorável à soltura, elaborado pelo deputado Rodrigo Amorim (PL) — líder do governo Cláudio Castro —, evitou entrar no mérito das acusações gravíssimas imputadas pela Polícia Federal, focando estritamente na prerrogativa parlamentar. Do lado da base governista e da bancada de direita, o discurso buscou minimizar as provas. O deputado Alexandre Knoploch (PL), por exemplo, classificou a prisão como exagerada, argumentando em plenário que a decisão “não se sustenta”, pois estaria baseada apenas em “três prints” e na resposta de Bacellar com “um meme simples, um único meme”.

Em contrapartida, a oposição enfatizou a gravidade das conexões criminosas que motivaram a ação da Polícia Federal. O deputado Flávio Serafini (PSOL) relembrou o perfil do aliado de Bacellar, destacando que até o início de setembro a Casa abrigava um parlamentar, referindo-se a TH Joias, “acusado de lavar dinheiro, importar drogas, armas e equipamentos antidrones para fornecer às facções que atuam no Rio”. Para a oposição, “os elementos probatórios são gravíssimos” e incontornáveis.

O mapa da votação refletiu uma divisão ideológica e pragmática alinhada aos interesses do “Centrão” e da direita bolsonarista. A soltura foi garantida pela maciça maioria do PL — partido do governador Castro e do ex-presidente Bolsonaro —, somada aos votos do União Brasil, PP, Republicanos, Solidariedade e MDB. A resistência, com 21 votos contrários, formou-se pelos blocos de esquerda e centro-esquerda, incluindo PSOL, PT, PCdoB, PSB e parte do PSD.

As ligações perigosas com o Comando Vermelho

A prisão de Bacellar, ocorrida em 3 de dezembro no âmbito da Operação Unha e Carne, não foi um fato isolado, mas sim um desdobramento direto da Operação Zargun, deflagrada em setembro de 2025, que prendeu o então deputado estadual TH Joias. As investigações da Polícia Federal apontam que Bacellar utilizou seu cargo estratégico de presidente do Legislativo para vazar informações sigilosas da operação para seu aliado. TH Joias é acusado de atuar como um braço político do Comando Vermelho (CV), utilizando seu mandato para intermediar compras de armamento pesado e tecnologias de ponta para a facção. A posição de Bacellar é nevrálgica na engrenagem política do estado, detendo poder sobre a pauta de votações e, conforme revelado pela PGR, possuindo ingerência indevida na nomeação de cargos de chefia nas polícias Civil e Militar, o que facilitava a blindagem de aliados.

Movimento coordenado para blindar criminosos

O resultado da votação não pode ser lido fora do contexto nacional. A postura da bancada do PL e de seus aliados na Alerj espelha um movimento coordenado no Congresso Nacional para enfraquecer o combate ao crime organizado quando este atinge o “colarinho branco”. Uma cronologia dos fatos demonstra como propostas legislativas e decisões políticas têm sido instrumentalizadas por interesses escusos. O cenário remonta a 2022, com o escândalo da Fundação Ceperj e da Uerj, onde Bacellar e o governador Cláudio Castro protagonizaram denúncias de abuso de poder político e econômico. 

Recentemente, em Brasília, os mesmos partidos que votaram pela soltura de Bacellar tentaram aprovar a “PEC da Blindagem”, visando criar uma imunidade para parlamentares suspeitos de envolvimento de crimes. A medida foi barrada apenas após forte pressão popular. Os mesmos partidos tentaram, em novembro de 2025, incluir os chamados jabutis da impunidade no “PL Antifacção” na Câmara Federal, por meio da relatoria do deputado federal Guilherme Derrite (PP/SP). Durante o processo de votação que aprovou uma versão desidratada na Câmara, o ex secretário de Segurança de São Paulo foi visto em articulações com Arthur Lira e Eduardo Cunha. O texto final está em análise no Senado. 

Simbiose entre agentes de segurança e o crime organizado

É inevitável associar que o mérito das acusações que levou à prisão preventiva de Bacellar revela o ápice de uma simbiose do crime organizado com agentes públicos, inclusive com supostas interferências nas nomeações das forças de segurança estaduais.

A gravidade da situação é corroborada inclusive por um recente relatório da Abin que aponta que a entrada do crime na política é o maior risco para a democracia brasileira. 

Até mesmo o editorial do jornal conservador  O Estado de S. Paulo também reforçou o perigo do “Poder Paralelo”, afirmando que “o sequestro da atividade formal pelo crime organizado desafia o Estado Democrático de Direito”.

O que vem agora

A aprovação da resolução na Alerj não significa a liberdade imediata de Rodrigo Bacellar. O rito legal impõe um choque entre poderes. Após a publicação da resolução no Diário Oficial, o documento deve ser encaminhado ao Supremo Tribunal Federal. Caberá, então, ao ministro Alexandre de Moraes decidir se acata a decisão da assembleia ou se mantém a prisão, sustentando que os crimes envolvem obstrução de justiça e perigo à ordem pública — fatores que, em tese, poderiam superar a imunidade parlamentar estadual em casos de flagrante delito inafiançável. Enquanto o STF não se pronuncia, o Rio de Janeiro permanece sob a tensão de ter o chefe do Legislativo preso por elos com o tráfico, enquanto a maioria dos deputados estaduais luta para libertá-lo.

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