A vida das mulheres não está a salvo nem mesmo em dias de confraternização e congraçamento, como o período entre a Sexta-feira Santa e a Páscoa. No Rio Grande do Sul, dez foram assassinadas nesses dias, além do feriado de Tiradentes, na segunda (21). Ao menos nove foram vítimas de feminicídio. Seis mortes ocorreram somente no primeiro dia do feriadão.

Os casos aconteceram nos municípios de Camaquã, Parobé, Feliz, Santa Cruz do Sul, Bento Gonçalves, São Gabriel, Viamão, Pelotas e Ronda Alta. Apenas um foi apontado como tendo relação com o tráfico. Os demais, seguiram o roteiro usual dos feminicídios: foram cometidos por companheiros e ex-companheiros.

Alguns desses feminicídios foram cometidos na frente dos filhos. Não faltaram métodos ainda mais cruéis do que o uso de arma de fogo: Carolina Dorneles, que tinha 25 anos e estava grávida, foi esfaqueada pelo ex-companheiro no meio da rua, em Parobé. Juliana Proença, de 47, foi degolada em São Gabriel, na Sexta-feira Santa.

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Uma mãe e uma filha adolescente — Leobaldina Lyrio, 41, e Diênifer Gonçalves, de 14 anos — foram mortas a facadas em Ronda Alta. Ao todo, sete das vítimas de feminicídio foram mortas por facadas; duas, por arma de fogo.

Esse quadro de terror espantou até mesmo quem costuma lidar com a violência. “A gente jamais teve um momento desses”, disse a delegada Cristiane Ramos, diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher da Polícia Civil ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, quando as vítimas ainda eram seis.

Dados da Secretaria de Segurança Pública do RS apontam que, embora tenha havido uma redução de 27% entre 2015 e 2024, o número de feminicídios segue alto no estado, que teve 935 casos nesse período. O pior ano dessa série foi 2018, com 116 casos, seguido de 2022, com 111; 2023 teve 85 e no ano passado, foram 72.

As tentativas de feminicídio também foram altas no período. Os piores anos foram 2019 e 2018, com 359 e 355 registros, respectivamente. No ano passado foram 235 e em 2023, 237.

Medidas urgentes

Especialistas da área têm reforçado a necessidade de haver mais delegacias especializadas, casas de abrigo, centros de referência, educação sobre respeito e igualdade de gênero, ações quer garantam o empoderamento e a autonomia das mulheres, aumento do efetivo policial, entre outras.

A quantidade de mortes concentrada em tão pouco tempo ligou o sinal de alerta nas autoridades. O governador Eduardo Leite convocou reunião com secretários nesta terça-feira (22) e disse que anunciará medidas nos próximos dias.

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Já a Polícia Civil do RS afirmou que os pedidos de medidas protetivas de urgência passarão a poder ser feitos pela internet, a partir da próxima semana — plano que, segundo a instituição, já estava previsto antes das últimas ocorrências.

“Até 90% das vítimas de feminicídio não tem medida protetiva ativa. Não temos certeza, mas tudo indica que as mulheres têm tanto medo que não conseguem nem ir à delegacia denunciar. Com esse sistema que permite que o companheiro violento não tome conhecimento, esperamos atender um número maior de mulheres e, consequentemente, diminuir os feminicídios”, disse, ao G1, Fernando Sodré, chefe da polícia no RS.

A ministra da Mulher, Cida Gonçalves declarou, pelas redes, estar “abalada e indignada” e reforçou a disposição do governo federal em combater esse tipo de crime. “Temos trabalhado de forma incansável pelo Feminicídio Zero, com diversas ações de prevenção, enfrentamento e conscientização, com políticas públicas e campanhas”.

Ela lembrou que esteve Porto Alegre na última semana, onde clubes de futebol e a Assembleia Legislativa aderiram à mobilização, e completou dizendo que nesta semana tratará do assunto com autoridades e movimentos de mulheres locais.

Estado de emergência

A deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB), Procuradora da Mulher da Assembleia Legislativa, condenou a falta de políticas públicas concretas por parte do governo estadual.

“A escalada da violência contra a mulher acontece sem freio no RS, que é um dos piores estados para uma mulher viver de forma segura. É um absurdo que os casos de feminicídio estejam aumentando e não se observe políticas públicas concretas que consigam construir uma alternativa para salvar a vida das mulheres”.

Para Bruna, que cobrou reunião com o governador Eduardo Leite para tratar do tema, é preciso que seja decretado estado de emergência pela vida das mulheres, uma forma de mobilizar o poder público e a população para o estabelecimento de programas e medidas concretas e urgentes de proteção à vida das mulheres.

“O Rio Grande do Sul falhou com 10 mulheres gaúchas no feriado de Páscoa. Falhou com 174 mulheres em todo o segundo governo Leite. Muito mais do que noticiar e nos solidarizar, precisamos falar sobre isso e lutar pela efetividade de políticas para a vida das mulheres gaúchas”, declarou.

A deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS) pediu justiça e destacou: “as mulheres estão em constante perigo na sociedade e, aparentemente, o que está sendo feito é muito pouco para preservas as nossas vidas”.

Além disso, salientou, “as investigações indicam que os casos são extremamente semelhantes. A maioria foi morta por ex ou companheiros que não aceitaram o fim do relacionamento. São homens que consideram que as mulheres são suas propriedades. E, por isso, eles, supostamente, ‘têm o direito’ de tirar as suas vidas. O ódio, a misoginia, o machismo destroem as vidas de mulheres e meninas no Brasil inteiro”.

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Last Update: 23/04/2025