Riscala Corbaje, coronel reformado da Polícia Militar, foi chefe da equipe de interrogadores do DOI-Codi do Rio de Janeiro entre 1970 e 1972. Ele admitiu, em depoimento ao grupo Justiça de Transição do Ministério Público Federal, ter torturado mais de 500 presos políticos no período em que esteve à frente do órgão de repressão.
Quando o MPF estava investigando o caso de Rubens Paiva, deputado federal assassinado pelo regime em 1971, Corbaje foi chamado para depor e, perguntado sobre porque ele foi chamado para atuar no DOI-Codi, respondeu que era devido à sua facilidade de conduzir interrogatórios pois pertencera ao serviço reservado da PM e havia passado muito tempo “interrogando presos de favelas para saber onde havia depósito de armas”.
“Ele está dizendo com todas as letras que o Estado brasileiro só consegue torturar, assassinar e desaparecer com o corpo de perseguidos políticos como Rubens Paiva pois já tinha a prática e expertise de fazer isso contra a população negra nas favelas.”, afirma o historiador Lucas Pedretti.
“A gente pensa que a PM de hoje é uma herança da ditadura. Mas a verdade é que a violência da ditadura é uma herança de algo que a antecede. A operação militar de terrorismo de estado mobilizada contra os chamados presos políticos partiu de uma base de décadas de violações de direitos humanos testadas nos corpos negros e periféricos.“, analisa o pesquisador, que é doutor em sociologia pela UERJ e membro da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia.
Nos últimos meses, a história do desaparecimento de Rubens Paiva e as disputas em torno da memória da ditadura militar ganharam protagonismo no debate público. O gatilho dessa nova discussão é o sucesso do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, baseado no livro do filho do parlamentar, Marcelo Rubens Paiva, que narra o impacto do acontecimento trágico na família.
O longa foi celebrado por recolocar o tema em evidência e alcançar reconhecimento internacional, mas também recebeu críticas por abordar a violência do período, mais uma vez, sob a ótica da classe média. Essa limitação, de fato, não é nova: o próprio Relatório Final da Comissão da Verdade foi alvo de questionamentos semelhantes por parte de familiares de vítimas e de setores do movimento negro e indígena.
Para aprofundar esse debate, CartaCapital entrevistou Pedretti, que pesquisa esse tema e é autor dos livros Dançando na mira da ditadura – bailes soul e violência contra a população negra nos anos 1970 e A transição inacabada: violência de Estado e direitos humanos na redemocratização.
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