Por Conceição Lemes
O Supremo Tribunal Federal (STF) não retomou o julgamento da lei goiana nº 20.514, que permite à Sama, do grupo Eternit, extrair e beneficiar o amianto para exportação, como estava previsto para 14 de agosto.
Os familiares de vítimas da fibra assassina e representantes de sindicatos de várias partes do País se deslocaram até Brasília para acompanhar o julgamento no plenário do STF.
Porém, no dia do julgamento, sem qualquer explicação, saiu da pauta, sem data para retornar.
Decepção e indignação gigantes.
Para piorar, em 15 de agosto, a Assembleia Legislativa de Goiás aprovou projeto do governador Ronaldo Caiado, para protelar o fim da extração do amianto da mina de Minaçu.
Imediatamente Caiado promulgou a lei nº 22.932, que permite a mineração e o processamento do amianto por mais cinco anos.
Resultado: a não retomada do julgamento pelo STF e a aprovação no dia seguinte da nova lei goiana – igualmente inconstitucional como a de 2019 – caíram como uma bomba, inclusive no exterior.
A reação internacional veio rápido, como mostram:
1. Artigo Já é Natal para a Eternit no Brasil, da jornalista e historiadora Laurie Kazan-Allen.
2. Comunicado à imprensa de cinco entidades internacionais, com apelo ao STF para reagendar o julgamento da ADI 6.200 contra a lei goiana o mais rapidamente possível.
Ambos seguem abaixo.
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Já é Natal para a Eternit no Brasil
Por Laurie Kazan-Allen*
Embora seja inverno agora no Brasil, o Natal chegou cedo para a empresa Eternit S.A., a única produtora de amianto restante no país.
A semana, a partir de 12 de agosto de 2024, aconteceu uma verdadeira blindagem de proteção à empresa com profusão de aplausos e chuva de presentes.
No que a Eternit emergiu de mais de seis anos do seu processo de recuperação judicial, tal fato foi elogiado como uma inspiração para as companhias brasileiras “como sendo um exemplo valioso de como as empresas em crise podem se reinventar e prosperar”.
As vidas perdidas no país e no exterior, de décadas de operações do amianto na Eternit, não figuraram nas coberturas de mídia desta fênix contemporânea.
No contexto da reação positiva do mercado à reabilitação da Eternit, uma bomba desabou em Brasília. Em 14 de agosto de 2024, estava programado no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do último processo relevante sobre o amianto pendente no país.
Os representantes das vítimas do amianto se dirigiram ao tribunal para testemunhar este momento histórico. Eles acreditavam que o STF confirmaria, de uma vez por todas, que a mineração e a exportação do amianto brasileiro eram ilegais de acordo com a proibição de 2017 vigentes no país.
O tribunal realizou suas atividades como de costume, mas nenhuma menção foi feita ao veredito sobre o amianto. Os observadores ficaram confusos quando o caso da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 6200 desapareceu silenciosamente da pauta oficial.
No vácuo criado pela total falta de informações, a especulação era abundante. Afinal, com base nos números atuais, cada mês de atraso no fechamento da mina de amianto equivale a uma lucratividade de 26 milhões de reais para a Eternit.
No dia 15 de agosto de 2024, o presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), Eliezer João de Souza, enviou uma correspondência ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, apelando para que a ADI 6200 seja o primeiro item da pauta de julgamentos no mês de setembro de 2024, e para que seja concedida uma audiência durante a qual os membros da Abrea possam expressar suas preocupações com o atraso “em pôr fim a esse flagelo socioambiental”.
Enquanto os funcionários da Abrea estavam finalizando o texto da carta, outra bomba explodiu em Goiás, no estado da mineração do amianto, quando a administração de extrema direita do governador Ronaldo Caiado promulgou a lei nº 22.932, permitindo uma sobrevida de 5 anos durante a qual a mineração e o processamento do amianto podem continuar suas atividades.
Em duas sessões extraordinárias realizadas em 15 de agosto, os deputados estaduais aprovaram a lei “para permitir a transição gradual (phase-out) da atividade para mitigar o impacto econômico, social e ambiental na região produtora, bem como estabelecer planejamento local de recuperação após o fechamento da mina.”
Comentando sobre esta nova legislação, que, tal como a lei nº 20.514 de 2019, permitiu que a decisão da proibição do amianto de 2017 pela Suprema Corte fosse burlada, assim comentou a co-fundadora da Abrea, Fernanda Giannasi:
“Se essa lei inconstitucional não for imediatamente revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a produção e a exportação do amianto brasileiro continuarão até 2029, somando-se doze anos após a decisão histórica do STF, que proibiu o amianto. Muitos observadores acreditam que o suposto phase-out, que é a redução gradativa até a paralisação total, aprovada de ‘cinco anos’, será bem maior, se não for contestada, e tão flexível quanto um ‘fio de espaguete cozido demais’ e que o período de transição poderá ser prolongado indefinidamente. Não há razão para confiar na palavra dos políticos e legisladores de Goiás, muito menos dos dirigentes da Eternit, que descumpriram reiteradamente a decisão proferida pelo mais alto tribunal do país de proibir todas as atividades relacionadas ao amianto no Brasil”.
No sábado, 17 de agosto de 2024, apenas alguns dias após o julgamento do amianto desaparecer sem vestígios da pauta da Suprema Corte, o governo do Estado de Goiás concedeu ao Ministro Gilmar Mendes – um dos juízes do STF que julgarão a ADI 6200 – a Comenda da Ordem do Mérito Anhanguera, que é a maior honraria concedida pelo Estado.
Embora isto não deva surpreender alguém tão versada no comportamento da indústria do amianto quanto eu, tenho de admitir que o impacto desta notícia tirou meu fôlego. Eu penso que quando se trata de preservar os lucros da indústria do amianto, não há limites no Brasil.
*Laurie Kazan-Allen, jornalista e historiadora, coordena oInternational Ban Asbestos Secretariat (IBAS). É parceira da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea)
Referências
[1] Farias, J. Fim da recuperação judicial: caso deveria inspirar mercado. 16 de agosto de 2024. p. 3. [2] Tribunal aprova a saída de Eternit (Eter3) da recuperação judicial após 6 anos. 9 de agosto de 2024.Desiderio, M. Eternit fatura com exportação de amianto enquanto espera voto do STF. 13 de agosto de 2024.
[3] Amianto: STF adia Julgamento da lei goiana; Abrea pede a Barroso que a inclua na pauta de setembro. 15 de agosto de 2024. [4] Lei nº 22.932 de 15 de agosto de 2024. [5] Plenário aprova concessão de 5 anos de extração e beneficiamento de amianto em Minaçu. 15 de agosto de 2024. [6] Lei estadual de Goiás Nº. 20.514 (2019), que permitiu que a mineração, beneficiamento e exportação do amianto continuasse para fins de exportação. [7] Email de Fernanda Giannasi. Recebido em 17 de agosto de 2024. [8] Dos 11 ministros do STF que julgarão a ADI 6200, dois já declararam que a lei de Goiás é inconstitucional e dois se declararam impedidos. Composição atual da Corte [9] Cardoso, L. Ministro Gilmar Mendes recebe de Caiado a Comenda da Ordem do Mérito Anhanguera. 18 de agosto de 2024.*******

