A lista é longa: já são quase cem os casos em que cidadãos ou instituições adotaram medidas legais contra decisões tomadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, segundo o Litigation Tracker, um site administrado por um instituto da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York.
Os processos estão relacionados às inúmeras ordens executivas que Trump emitiu desde que assumiu o cargo e envolvem os cortes em agências governamentais, como a organização humanitária USAID, a demissão de funcionários, a suspensão de pagamentos e muito mais.
Apenas uma questão – a que afeta particularmente quem não vive nos EUA – ficou de fora: tarifas de importação. O motivo é que o tema tarifas está relacionado ao direito do comércio internacional, e a autoridade competente para tais casos é a Organização Mundial do Comércio (OMC), com sede em Genebra. E isso já é parte do problema.
Frustração com a OMC
A imposição de tarifas punitivas, como Trump fez, viola a lei existente, diz o economista Jürgen Matthes, que chefia o departamento de política econômica internacional do instituto econômico alemão IW.
“Trump está desrespeitando a lei comercial em vigor. Também as outras medidas que ele anunciou contra a China, a União Europeia (UE) e todos os outros países desrespeitam o direito do comércio internacional. Mas isso não parece incomodá-lo”, afirma Matthes.
Os países afetados podem reagir e apresentar uma queixa contra as tarifas de Trump na OMC. Foi o que a China fez: o governo chinês prontamente entrou com uma ação depois que seus produtos foram sujeitos a uma tarifa adicional de 10%.
O problema é que essas ações não levam a nada. Matthes diz que elas são “importantes e corretas para manter o sistema de comércio internacional”. Ele também acredita ser muito provável que o tribunal de arbitragem da OMC considere as tarifas de Trump ilegais.
Os Estados Unidos poderiam, então, apelar dessa decisão. Só que o órgão da OMC que decide sobre recursos de apelação está há anos impossibilitado de tomar decisões porque os Estados Unidos bloqueiam a nomeação de novos juízes. O antecessor de Trump, Joe Biden, manteve essa prática.
“Como o tribunal de apelação não funciona, não haverá um veredito final contra os EUA que seja vinculativo”, explica Matthes. “E mesmo que houvesse um, os EUA sob o comando de Trump provavelmente não o cumpririam.”
Tudo isso é frustrante para os 166 membros da OMC, que – até mesmo por insistência dos EUA – aderiram à organização para que houvesse ao menos um mínimo de regras obrigatórias no comércio internacional.
À procura de uma desculpa
Canadá e México veem até mesmo uma dupla violação da lei nas ameaças tarifárias de Trump, afinal esses dois países vizinhos dos EUA não apenas são membros da OMC, como também têm um acordo de livre comércio válido com os EUA, o USMCA. Esse acordo foi ratificado pelo Congresso dos EUA e assinado pelo próprio Trump no seu primeiro mandato.
Mas, como lembra a professora de direito comercial Kathleen Claussen, da Universidade de Georgetown, não se deve subestimar a engenhosidade dos juristas na hora de encontrar uma maneira de contornar regras vigentes.
E isso fica muito claro nos casos do México e do Canadá. Como as tarifas contra esses dois parceiros comerciais violam não apenas as regras da OMC, mas também o acordo comercial ratificado pelo Congresso dos EUA, elas poderiam ser contestadas nos tribunais dos EUA.
A lei determina que Trump forneça uma razão para violar as regras, e neste caso ele se apoia na Lei Internacional de Poderes Econômicos de Emergência (IEEPA), de 1977. Ela dá ao presidente dos EUA o direito de intervir no comércio internacional mesmo que haja tratados de livre comércio. O pré-requisito é que ele declare emergência nacional.
E foi exatamente isso que Trump fez, por decreto, logo após assumir o cargo: no caso do México, a emergência nacional é por causa dos migrantes. No do Canadá, por causa do contrabando de fentanil e outras drogas.
Vai e vem de tarifas
Trump adora aplicar tarifas porque é fácil implementá-las, diz Claussen. Além disso, ele não está exatamente interessado nas tarifas, mas no valor delas como ameaça em negociações.
Claussen compara a abordagem de Trump com as condições para “amigos e familiares” que as operadoras de telefonia móvel usam para atrair clientes. “Há condições especiais para amigos e familiares, mas você precisa provar que pertence a esse grupo”, diz Claussen. “E mesmo que hoje você consiga provar, amanhã tudo já pode ser de novo diferente.”
Canadá e México já estão familiarizados com isso. No início de fevereiro veio o anúncio das tarifas punitivas. Depois veio o adiamento por 30 dias. Poucos dias depois, novas tarifas sobre aço e alumínio foram impostas. Depois, o anúncio de que as tarifas punitivas que haviam sido suspensas entrarão em vigor no início de março.
“Criar incerteza e emitir constantemente novas ameaças fazem parte dos princípios básicos de Donald Trump”, observa Matthes.
O possível cálculo do presidente: a constante ameaça de tarifas eleva seu poder e torna outros mais dispostos a negociar – sejam governos estrangeiros, sejam representantes da indústria nacional que buscam audiências com ele por temerem as tarifas.
Enquanto isso, os europeus, e especialmente os alemães, estão discutindo quais opções eles têm se Trump impuser tarifas sobre seus carros e outros produtos. A Comissão Europeia já anunciou contramedidas para esse caso, mas sem dar detalhes.
Matthes diz que algum tipo de acordo pode ser alcançado antecipadamente, pelo qual os europeus poderiam comprar mais armas ou outros bens dos EUA. Caso contrário, há risco de acirramento e guerra comercial, o que prejudica a todos. “Mas não podemos simplesmente tolerar tudo”, afirma.