O governo estadunidense anunciou no dia 30 de julho a aplicação de sanções financeiras contra o ministro Alexandre de Moraes, fazendo-o com base na Lei Magnitsky, um diploma legal criado na gestão Obama para punir estrangeiros considerados violadores de direitos humanos e participantes de esquemas de corrupção. A referida lei prevê como possíveis punições a interdição do acesso ao território estadunidense, o congelamento de bens no país e a proibição de transações financeiras com qualquer instituição bancária atuante nos EUA.
O uso da Lei Magnitsky contra Moraes, concretizado na Ordem Executiva 13818, é uma continuação da ofensiva do governo Trump no sentido de constranger autoridades brasileiras. Vale lembrar que, no dia 18 de julho, o citado ministro já havia sido alvo de restrição de vistos de entrada nos EUA, restrição esta que se estendeu a outros sete ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a Paulo Gonet, procurador-geral da República. Todos esses agentes visados foram, não por acaso, decisivos na qualificação de Jair Bolsonaro como réu na Ação Penal 2668, cujo objeto é a atuação golpista do ex-presidente.
As sanções que atingiram Moraes foram justificadas por meio de uma nota de Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, na qual se imputa ao ministro brasileiro o cometimento de graves violações de direitos humanos, tais como a prática de detenções arbitrárias. A nota fala ainda em abuso de poder e em perseguições políticas contra adversários. Sem economizar fanfarronice, Rubio afirma que o governo lançará mão de todos os instrumentos diplomáticos, políticos e jurídicos que se mostrem apropriados para proteger a liberdade de expressão dos estadunidenses da ação mal-intencionada de agentes estrangeiros. No mesmo sentido, Scott Bessent, secretário do Tesouro, alegou em comunicado que Moraes seria responsável por uma campanha de censura perpetrada mediante prisões preventivas infundadas. Ele estaria à frente de uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas dos EUA e do Brasil (sendo que o comunicado menciona, expressamente, a situação de Bolsonaro).
A Ordem Executiva 13818 atende as súplicas de Eduardo Bolsonaro, que se instalou em Washington desde a posse de Trump para defender os interesses de sua família. Todo o discurso das autoridades estadunidenses em relação a Moraes – um discurso cuja hipocrisia não pode ser suficientemente denunciada – tem a inconfundível assinatura do clã mais detestável e parasitário da política brasileira. Imagina-se um cenário ditatorial no Brasil que, pasme o (a) leitor (a), teria se instaurado no momento em que os participantes da tentativa de golpe em 2023 foram levados ao banco dos réus. Isto posto, se houvesse um mínimo de intenção real de proteção das liberdades democráticas, Eduardo Bolsonaro deveria ser o primeiro a ser expulso do território estadunidense e ter seus ativos financeiros bloqueados. Obviamente, a medida aplicada não tem nenhuma pretensão democrática, nem na origem da Lei Magnitsky (a qual visava os magnatas russos aliados de Putin) e nem na sua aplicação atual.
Está claro que a questão colocada aponta para muito além da figura pessoal de Alexandre de Moraes – o qual terá apenas alguns possíveis e pequenos aborrecimentos por conta das sanções (como mudar seus planos de férias ou buscar bandeiras alternativas de cartão de crédito). O que realmente importa para Washington é a continuidade e o aprofundamento da sujeição econômica do Brasil ao capital estadunidense.
Se Moraes aparece como um alvo prioritário, isso se deve não tanto ao seu protagonismo no tocante às questões processuais que envolvem Bolsonaro, mas, sobretudo, por conta da queda de braço entre o ministro e o empresário Elon Musk (agora desafeto político de Trump, mas ainda assim um dos principais representantes do capital monopolista estadunidense). É claro que o clã Bolsonaro é parte de articulações internacionais de extrema direita pelas quais Trump só pode ter simpatia, mas a principal utilidade da família do ex-presidente é representar um projeto de adesão incondicional ao imperialismo estadunidense, sem qualquer tipo de flerte com um imperialismo rival, como é o caso da China. E essa adesão passa por conceder uma liberdade irrestrita de operação (e, portanto, de negócio) para as big techs. Pesa contra Moraes, assim, o seu histórico de decisões desfavoráveis à rede X e ao Telegram, por exemplo – decisões que o ministro tomou, por certo, não para se contrapor ao imperialismo, e sim para privilegiar a ordem institucional num contexto de crise da República.
As pressões estadunidenses exercidas sobre Moraes são indissociáveis de um receituário mais geral de constrangimento diplomático para fins de reiteração da subserviência do Brasil. O seu significado consiste em afirmar que os assuntos internos no país estão sujeitos a uma validação externa, o que se torna notório na exigência de absolvição de Bolsonaro como um suposto requisito para uma revisão das taxas de Trump sobre os produtos brasileiros. É importante ressaltar a subserviência que a Casa Branca quer impor às questões econômicas. Não por acaso, o escritório de Representação Comercial dos EUA anunciou, no dia 15 de julho, o início de uma investigação sobre práticas comerciais desleais por parte do Brasil, acusado de tomar decisões que prejudicam a competitividade de empresas estadunidenses em setores como comércio digital e serviços de pagamento eletrônico. Nesse libelo acusatório, os agentes de Trump também denunciam a política tarifária brasileira em relação a outros países (em comparação com os EUA), falhas na fiscalização anticorrupção, proteção insuficiente dos direitos de propriedade intelectual estadunidense e até mesmo desmatamento ilegal! Eis que, de súbito, o mandatário negacionista no coração do capitalismo mundial se viu sensibilizado pela pauta ambiental!
Não há dúvidas, portanto, de que o objetivo de Trump é reforçar a presença do capital estadunidense no território brasileiro e renovar a cumplicidade da burguesia brasileira no tocante a essa dominação econômica. Por trás desse projeto se verifica a feroz disputa interimperialista com a China, que tem abocanhado novos mercados de modo bastante voraz, ampliando a sua área de influência e entrando em atrito com a potência hegemônica estabelecida. Achacar representantes do Estado brasileiro foi o método escolhido para lembrar o país do seu alinhamento histórico junto aos EUA no estilo da doutrina Truman (a “América” para os “americanos”). Tal política converge com o “tarifaço”, evidenciando que o capital yankee não está disposto a abrir mão de nenhum centímetro da sua área de influência e de nenhum centavo da riqueza correspondente a essa dominação.
Quanto ao governo Lula, sua postura, na prática, para além das palavras, por enquanto, tem sido principalmente a de negociar o “tarifaço” com Trump para dirimir os prejuízos dos setores da burguesia nacional mais afetados. Lula atua, principalmente, como um representante comercial da burguesia brasileira, oscilando entre ceder ao imperialismo estadunidense e buscar algum anteparo no imperialismo chinês. E o que, em princípio a classe dominante brasileira coloca para o governo brasileiro, é negociar a sujeição econômica do país perante dois senhores distintos. É do interesse da nossa burguesia nacional que haja esse disputa entre EUA e China, para que ela possa barganhar melhor a sua participação como “sócia minoritária” no capitalismo brasileiro. Essa é, aliás, uma via de conciliação entre as frações burguesas mais dependentes dos negócios com empresas estadunidenses e as frações mais dependentes dos negócios com as empresas chinesas.
Nessa ordem de considerações, a luta contra o imperialismo estadunidense (e contra todo e qualquer imperialismo, inclusive), só pode ser conduzida a sério, ou até o final, pela classe trabalhadora. O que não quer dizer que não possa haver conflitos ou enfrentamentos parciais da burguesia e dos seus diferentes governos frente a uma agressão imperialista. E, em havendo, o proletariado de um país semicolonial como o Brasil, deve golpear junto, mesmo marchando separado, porque o proletariado deve estar sempre na vanguarda do combate ao imperialismo.
O proletariado brasileiro precisa repudiar fortemente as agressões praticadas por Trump contra o Estado brasileiro e a economia brasileira. E estar disposto a fazer unidade de ação a toda resistência real a ele. E deve exigir do governo reciprocidade, e outras medidas, começando por não recuar da regulamentação das big techs, de obrigá-las a pagar impostos e respeitar as leis do país. Mas mantendo sua independência política e de classe, sem aderir, em nenhum sentido, aos agentes da cúpula desse Estado ou aos capitalistas nacionais.
Combater o imperialismo é estar disposto a explorar todas as contradições entre os países oprimidos e opressores e saber fazer unidade de ação quando isso ocorre, mas sem abandonar o combate estratégico contra todos os seus intermediários, todos aqueles que avalizam a ordem social burguesa, mesmo que procurando dosar os termos da subserviência ao imperialismo. Em adendo, impõe-se também ao proletariado estadunidense a tarefa de se insurgir contra as opressões no exterior perpetradas por Washington. Há que se fazê-lo em nome da solidariedade proletária internacional. No mais, não se pode ceder nem um milímetro sequer no que concerne a condenação de Bolsonaro e da corja no seu entorno. Por mais que a suposta “perseguição” contra o ex-presidente seja também uma manipulação do imperialismo para conferir às suas ambições um ar de defesa das liberdades democráticas, a prisão de Bolsonaro seria um revés importante para a extrema direita e um fator de desarticulação para determinados setores da burguesia brasileira (em particular no agronegócio).