Foi na calada da madrugada do último dia 17 que a Câmara dos Deputados aprovou o maior ataque à legislação ambiental do país. O Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, foi aprovado por 267 votos a 116 (veja como votou cada parlamentar aqui).

O projeto é uma iniciativa da bancada ruralista do Congresso e foi aprovado pelo Senado em maio.

O PL acaba com o licenciamento ambiental e abre caminho para uma desregulação em larga escala da política ambiental, pavimentando novas catástrofes como o rompimento das barragens de mineração em Brumadinho (2019) e Mariana (2015). Agrava também as costumeiras tragédias provocadas pelas chuvas, como a de Petrópolis (2022) e do Rio Grande do Sul (2023). Aliás, essa última oferece um pequeno e tímido vislumbre do que está por vir. A catástrofe gaúcha só ganhou uma monstruosa dimensão porque leis ambientais foram flexibilizadas e sistematicamente desrespeitadas, tudo com a mais ativa colaboração do governo estadual de Eduardo Leite (PSDB) e do prefeito de Porto Alegre, Sebastião de Araújo Melo (MDB). Antes da catástrofe, Leite suprimiu e flexibilizou mais de 500 artigos e incisos do Código Estadual de Meio Ambiente, criado no ano 2000, afrouxando regras de proteção ambiental de biomas como o Pampa e a Mata Atlântica. Depois, permitiu o autolicenciamento de grandes empreendimentos, por meio da emissão de Licença Ambiental por Compromisso (LAC). Tudo ao arrepio das leis ambientais do país. Agora, imaginem o que vai acontecer quando essas leis deixarem de existir.

Com o PL da Devastação, a “tragédia gaúcha” vai se converter em uma rotina em todo o território nacional. Aliás, é ainda mais grave do que isso. Estamos diante de um dos maiores desafios da história da humanidade, que é o aquecimento global, que vem causando eventos climáticos extremos em todo o mundo, cada vez mais intensos e frequentes. Ondas de calor ou de frio, secas extremas e quebras de safras, novas pandemias provocadas pela destruição de florestas e pelo derretimento do gelo dos polos, imensas ondas de refugiados climáticos, crises hídricas e de produção de alimentos são as tintas que pintam o quadro apocalíptico para as próximas décadas, alertam os cientistas. Por isso, a aprovação do PL da Devastação pela Câmara dos Deputados só pode ser chamada de crime premeditado.

O que diz o PL

O projeto em questão transfere aos estados e municípios a responsabilidade de definir quais empreendimentos poderão ser dispensados de licenciamento ambiental. Na prática, essa descentralização tende a fragilizar significativamente o sistema de proteção ambiental. Governos locais, pressionados por interesses políticos e econômicos, poderão priorizar a atração de investimentos em detrimento de salvaguardas ambientais essenciais. Na verdade, vai existir uma “concorrência” macabra entre os estados e municípios – de quem flexibiliza mais as normas ambientais – para atrair novos investimentos.

Ademais, a medida ocorre em um contexto já crítico: a fiscalização ambiental nos níveis estadual e municipal enfrenta carências estruturais históricas, além de agora estar sujeita a influências indevidas do poder político e de grupos econômicos. É importante destacar que, mesmo sob as regras atuais de licenciamento, tragédias ambientais de grande impacto já ocorreram.

Outra consequência grave é o impacto sobre territórios tradicionalmente protegidos. O projeto exclui do escopo de licenciamento obrigatório: Terras Indígenas ainda não homologadas; Territórios Quilombolas sem titulação definitiva; Unidades de Conservação (como Parques Nacionais e Reservas Extrativistas), exceto em casos de “impacto direto” – um conceito vago que pode abrir brechas para a degradação.

Segundo análises do Instituto Socioambiental (ISA), essa flexibilização deixaria desamparados aproximadamente 40% dos territórios indígenas e 96% das comunidades quilombolas sem titulação formal. Projeções conservadoras indicam que o desmatamento decorrente poderia atingir uma área comparável ao tamanho do estado do Paraná, com danos irreversíveis à biodiversidade e aos modos de vida tradicionais. Em síntese, a proposta não apenas enfraquece mecanismos de prevenção a desastres, mas também coloca em risco ecossistemas sensíveis e populações historicamente vulnerabilizadas, potencializando conflitos socioambientais e ampliando a crise ecológica no país.

Exigir o veto de Lula nas ruas!

O PL agora vai para a sanção presidencial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo ainda não disse um pio contra a aprovação do projeto, mas sabemos que muitos dos seus ministros articularam ativamente sua aprovação no Congresso Nacional. Lula fica em silêncio justamente porque não deseja se indispor com o agronegócio que aumentou consideravelmente sua importância econômica graças aos vultuosos créditos públicos destinados por todos os governos do PT, tal como demonstra o Plano Safra 2025/2026 que vai destinar R$ 535 bilhões ao grande agronegócio. É essa grana que financia as queimadas na Amazônia, Pantanal e Cerrado e fortalece a bancada ruralista e suas iniciativas de barbárie ambiental no Congresso.

É preciso exigir o veto integral de Lula ao PL da Devastação e convocar mobilizações de rua em todo o país para derrotar o projeto e os ruralistas que estão dentro e fora do governo. Por isso, não basta dizer que é contrária ao PL, tal como faz a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. É preciso um chamado à ação contundente que imponha uma derrota popular contra esse Congresso inimigo do povo!

Irracionalidade do capitalismo e barbárie ambiental

A medida também revela toda irracionalidade inerente à lógica da produção capitalista. Medidas como o licenciamento ambiental são criadas justamente para impedir que os próprios capitalistas, em sua ânsia pelo lucro, destruam as próprias condições naturais da produção, tal como a fertilidade dos solos, a água, o ar e aquilo que é denominado “serviços ecossistêmicos” – necessários à própria produção de mercadorias. Contudo, ao implodir as regras ambientais em vigor, o capital acaba destruindo e limitando as próprias condições da sua produção.

Um exemplo no Brasil é o próprio agronegócio, cuja autoexpansão, através da permanente abertura de novas fronteiras agrícolas – reduzindo florestas a carvão –, agrava as mudanças climáticas e coloca em xeque sua própria reprodução. Em 2023, por exemplo, o agro do Mato Grosso, Goiás e Tocantins foi obrigado a fazer o replantio dos monocultivos de soja porque o plantio havia morrido devido à falta de chuvas.

A destruição da Amazônia, que pode chegar a um ponto de não retorno por causa do PL da Devastação, vai diminuir o regime de chuvas em todo o país, criando áreas desertificadas onde hoje pulsa o coração do agronegócio, mas também ameaçando o fornecimento de água e de energia onde estão instaladas as principais indústrias e as maiores cidades do país. A irracionalidade capitalista é inerente à própria lógica deste modo de produção.

Por isso, não há outro caminho para se enfrentar a catástrofe ambiental senão a superação do capitalismo, cujo processo de acumulação em escala global criou a catástrofe que ameaça a humanidade – especialmente os mais vulneráveis: trabalhadores pobres e oprimidos da cidade e do campo. Superar o capitalismo impõe a necessidade de revolucionar as forças produtivas, ou seja, o conjunto do aparato produtivo, mudando radicalmente a lógica da produção (do que se produz, como se produz e para quem se produz) no marco da construção de uma sociedade de produtores associados, como dizia Karl Marx. No contexto da catástrofe climática, a disjuntiva entre socialismo ou barbárie se impõe de maneira dramática: ou superamos o capitalismo ou a humanidade sucumbirá.

Leia também!

Crise no RS: eventos climáticos extremos, inércia dos governos e luta por reparação e prevenção

 

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 18/07/2025