Na terceira aula do curso Brasil: uma interpretação marxista de 500 anos de história, ministrado por Rui Costa Pimenta e transmitido pela plataforma da Universidade Marxista diretamente do Centro Cultural Benjamin Péret (CCBP), foi aprofundada a análise sobre o período regencial. Pimenta destacou como essa fase não apenas expressou a crise mais grave da história nacional, mas também moldou o perfil do País pelos 100 anos seguintes, até a Revolução de 1930.
“Essa crise definiu o Brasil por um século. E esse perfil é bastante negativo”, afirmou. Segundo ele, tanto o Império quanto a República Velha foram marcados por uma profunda estagnação econômica. Apesar disso, no interior dessa estagnação, começaram a surgir forças embrionárias de transformação, como a indústria nascente, que só ganharia maior relevância no final do século XIX.
Pimenta destacou: “precisamos considerar bem o que foi o Brasil nesse período e qual é a herança que ele nos deixou até os dias de hoje”. A mais evidente delas está na situação de miséria histórica do Nordeste e de parte do Norte. “Foi uma crise total, quase escatológica”, disse. O presidente do PCO lembrou os fenômenos das secas, dos retirantes, do messianismo, da fragmentação política e da dominação absoluta das oligarquias locais, que transformaram grandes partes do País em regiões de regime quase feudal.
“O coronel era a lei. É um retrocesso impressionante. Algo retratado de forma quase assustadora em livros como Vidas Secas”, comentou. Segundo Rui Costa Pimenta, a ideia promovida por setores do PT e por intelectuais como Jessé de Souza, de que o Nordeste é a região mais progressista do Brasil, é um delírio:
“Boa parte da população vive do Bolsa Família, sob o controle das oligarquias. Não foi o Império ou a República Velha que criaram isso, mas ambos mantiveram essa estrutura intocada”, disse.
O sistema político brasileiro, explicou, sempre se apoiou nesse atraso: “em boa parte do país, o chamado Estado Democrático de Direito é o voto de cabresto”. Segundo Pimenta, nenhum governo foi capaz de superar esse problema, muito menos as forças liberais do século XIX.
“O pior momento desse processo se dá justamente no período pós-regencial, quando, ao consolidar-se o Estado, as contradições internas se acentuam”, afirmou.
Após a queda de Dom Pedro I, as oligarquias se dividem entre liberais, com tendência federativa, e conservadores, defensores da centralização. Porém, Pimenta mostra que essa divisão era, em grande medida, artificial, pois nenhuma das facções dispunha de uma base econômica sólida para sustentar seus programas. “Era uma guerra de compadres. O liberalismo brasileiro era uma perfumaria”, explicou.
O programa liberal incluía medidas como a criação de senados estaduais e o voto periódico. Contudo, como destacou Rui Costa Pimenta, “esse liberalismo não conduzia à democracia nenhuma”. O voto era censitário, restrito aos proprietários, o povo era completamente excluído. “Era um regime sem povo. E quando veio o voto universal, veio com voto de cabresto”, disse Pimenta.
A Constituição de 1823 foi apelidada de “Constituição da Mandioca”, tamanha sua fragilidade. Após a abdicação, a luta entre liberais e conservadores se acirra, e a disputa entre as elites aprofunda a crise nacional. Essa briga por cima desencadeia uma crise por baixo, reacendendo a instabilidade revolucionária. “Já em 1831 e 1832, temos revoltas no Recife. Em seguida, o país é tomado por uma série de insurreições”, ele explicou.
A Cabanagem no Pará, a Balaiada no Maranhão, a Sabinada na Bahia, os levantes no Ceará e Piauí: todas essas revoltas expressam, segundo Rui Costa Pimenta, a falência econômica do Norte e Nordeste e o esgotamento do modelo colonial. O sistema baseado no açúcar, que foi a solução “criativa” dos portugueses para a colônia, revelou-se inviável a longo prazo. O presidente do PCO afirmou que “a mão de obra escrava era um obstáculo brutal ao desenvolvimento posterior. Escravo não é mercado consumidor, nem força de trabalho livre para a indústria”.
A revolta dos Cabanos, no Pará, foi a mais violenta de todas, justamente porque expressava o esgotamento da situação. Em meio a esse caos, emerge a figura do Padre Feijó. Inicialmente ministro da Justiça, ele desempenha um papel fundamental na contenção da crise. “Feijó foi para cima de todos. No Sudeste, conseguiu estabilizar a situação e criou a base do aparato repressivo posterior”, disse.
Segundo Rui Costa Pimenta, a atuação de Feijó vai além da repressão. Ele reorganiza as forças armadas e cria a Guarda Nacional, uma milícia da classe dominante que passa a cumprir o papel de repressão interna:
“Era necessário profissionalizar o Exército e tirar dele o papel de polícia. As tropas estavam politizadas e havia rebeliões de soldados. A Guarda Nacional surge para garantir o domínio interno.”
Duque de Caxias, por sua vez, surge como o principal pacificador do regime. Sua atuação nas revoltas — especialmente na Cabanagem e na Farroupilha — foi marcada pela habilidade militar, mas também pela disposição para acordos políticos.
“No Rio Grande do Sul, ele impôs derrotas decisivas, mas buscou um acordo. Não dava para simplesmente esmagar a oligarquia”, explicou Rui.
A Revolta dos Malês, em Salvador, teve uma composição distinta: liderada por negros livres, ex-escravizados e escravos muçulmanos. “Foi uma revolta marcada por alto grau de organização. Eles escolheram o final do Ramadã como data do levante”, disse Pimenta. Apesar de brutalmente reprimida, com mais de 70 executados, ela causou impacto profundo: “depois disso, os fazendeiros não queriam mais escravos baianos. O medo era de que todos fossem ‘malês’”. Rui Costa Pimenta citou o exemplo de Luís Gama, que foi vendido pelo próprio pai e rejeitado no mercado de escravos por ser da Bahia.
A Balaiada, por sua vez, chegou a estabelecer um governo em Caxias (MA), e o responsável por reprimi-la foi Luís Alves de Lima e Silva — o futuro Duque de Caxias. “Era um militar extremamente capaz. Ele encerra também a Guerra dos Farrapos, mas sempre conciliando repressão com negociação”, explicou Pimenta.
Rui Costa Pimenta destacou a singularidade da Revolta Farroupilha. Foi o maior e mais duradouro levante contra o governo central, com duração de quase dez anos. Diferentemente das demais revoltas, que envolviam setores populares ou mistos, a Farroupilha foi inteiramente comandada pela oligarquia gaúcha. O motivo: após a Guerra da Cisplatina, o Rio Grande do Sul viu seu mercado de charque entrar em crise por conta da concorrência externa e da política fiscal do Império. “Eles tentaram um acordo, mas não deu. Resolveram partir para o confronto direto”, disse.
O movimento contou com uma cavalaria forte, herança da guerra anterior, e com a liderança de figuras como Giuseppe Garibaldi, herói da unificação italiana.
“Foi uma guerra civil. A maior ameaça ao poder central. E, ao contrário das outras, não recuou. Foi organizada, prolongada e com ambições separatistas claras”, explicou Pimenta.
Pimenta também alertou contra a romantização das revoltas populares por parte de setores da historiografia de esquerda: “não eram revoluções. Eram produtos da crise do Estado. Não tinham programa claro. Muitas vezes expressavam apenas o desespero de regiões inteiras”.
O efeito final de todas essas rebeliões foi o endurecimento do regime. A repressão abriu caminho para a estabilização conservadora do Segundo Império. “O impulso democrático dos liberais se esgotou. A última regência foi controlada pelos conservadores. O próprio golpe da maioridade, dado pelos liberais, aprofundou a virada reacionária”, afirmou.
Para Rui Costa Pimenta, esse foi o ponto de inflexão: “o país passou de uma crise revolucionária para uma estabilidade oligárquica. Um Estado consolidado, mas deformado. Fundado na conciliação com as oligarquias e na repressão ao povo”.
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