O ano de 2025 é decisivo para a continuidade da democracia brasileira. Em 2024, o bolsonarismo se reorganizou nas eleições municipais e empurrou o governo Lula para a defensiva, aproveitando sua crise de popularidade. O segredo dessa retomada está na mobilização da base mais radical, que depois se expande para setores moderados. A inflação dos alimentos é um tema central nesse cenário, mas a ofensiva da extrema-direita vai além da economia – como mostrou a crise do Pix.
Mas nem são flores para Jair Bolsonaro, e o campo progressista tem margem para reagir. O avanço do processo contra o ex-presidente e seus aliados pela tentativa de golpe em 8 de janeiro coloca o bolsonarismo na defensiva fora das bolhas mais radicais e dificulta as articulações da extrema-direita para 2026. Se Bolsonaro insistir em lançar sua candidatura contra Lula, mesmo inelegível, a direita tradicional deve se fragmentar, priorizando interesses regionais. Tarcísio de Freitas, por exemplo, dificilmente abriria mão da reeleição em São Paulo, onde é favorito, para ser vice em uma chapa presidencial.
Segundo, as ações governamentais plantadas por Lula e seus ministros desde 2023 começam a ser colhidas em 2025. O normal é que governos com muitas realizações melhorem sua avaliação na segunda metade do terceiro ano em diante. Em geral, é nessa fase que as narrativas mais gerais sobre as entregas costumam se sedimentar e ganhar consistência e adesão das pessoas que estão vivenciando as políticas públicas.
Vencer as eleições demanda frente ampla; mas isso é insuficiente para governar e manter o fascismo longe
Contudo, se há uma característica da política brasileira (na verdade, da política global) na última década é a ausência completa de normalidade. A grande força da extrema-direita no Brasil – e no mundo – é desorganizar a lógica tradicional das instituições liberais, criando um clima de mobilização permanente que fustiga não apenas os governos de ocasião, mas toda a institucionalidade democrática, incluindo o Judiciário, a mídia tradicional, as universidades, etc.
O que a experiência concreta de vários países – incluindo o nosso, em 2022 – tem demonstrado é que o enfrentamento à extrema-direita para vencer as eleições demanda uma política de frente ampla, para além da esquerda; mas também que isso é insuficiente para governar e manter o fascismo longe do governo. O caso Joe Biden é emblemático nesse aspecto, uma vez que seu governo melhorou a vida do povo do ponto de vista econômico, mas foi fragorosamente derrotado nas eleições por Donald Trump.
O temor é ocorrer o mesmo com Lula, tendo em vista a atual configuração da sua popularidade. Para evitar isso, não basta contar com a desorganização do bolsonarismo. É preciso mobilizar a sociedade não apenas em defesa de uma democracia institucional, mas em favor de uma democracia substantiva que de fato melhore a vida do povo. E algumas pautas têm um enorme potencial de gerar mobilizações que impulsionem o campo progressista e tirem o governo da defensiva.
A primeira e mais imediata delas é o preço dos alimentos. O governo vem apontando que existem fatores estruturais que explicam a inflação da comida, mas isso não mobiliza as pessoas no seu cotidiano. É preciso abertamente contrapor as dificuldades da família trabalhadora em garantir suas refeições com os lucros dos bilionários e das grandes empresas. É preciso fazer uma campanha de massas pela taxação dos ricos e pela isenção do Imposto de Renda de quem ganha até 5 mil reais, de modo conectado com a pauta da comida no prato do povo. Mais dinheiro no bolso e mais comida na mesa: os ricos podem e devem pagar por isso.
A segunda batalha é pelo fim da jornada 6×1, cuja PEC foi protocolada no Congresso pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). A mobilização de base liderada pelo vereador carioca Rick Azevedo, também do PSOL, mostrou o caminho de como atrair para pautas progressistas alguns setores que não votam necessariamente na esquerda e que, ao mesmo tempo, estão longe de serem fiéis ao bolsonarismo. A criação de comitês nos bairros e de estratégias de rede é fundamental para fazer com que essa pauta volte a incendiar a vida política brasileira.
Uma terceira batalha envolve a mobilização do sentimento nacional contra os ataques que Donald Trump já está fazendo ao Brasil pela via do aumento das tarifas. A atuação da presidenta mexicana Claudia Sheinbaum nesse enfrentamento é exemplar. Mesmo cooperando com o governo dos EUA na esfera das relações internacionais, ela transformou esse tema em uma luta em defesa dos mexicanos. Sheinbaum convocou atos de rua, espalhou faixas e cartazes pelas cidades e propagandas de televisão, rádio e internet com o mote da defesa do povo mexicano. Sua popularidade só cresceu desde então. Enfim, será um erro de Lula tratar a relação com Trump apenas nos marcos da diplomacia.
Quarto, mas não menos importante, a batalha pela regulação das redes sociais – com altíssimo potencial de mobilização das classes médias, cada vez mais incomodadas com o fim da sua privacidade, com a disseminação de discursos de ódio e com o modo como as big techs invadem a vida das crianças e dos adolescentes. O amplo apoio à proibição dos celulares nas escolas indica que há um enorme potencial de mobilização pela regulação da internet.
Em suma, essas quatro batalhas podem e devem ser travadas pelo governo Lula e pelo campo progressista neste ano, não nos marcos estritos das instituições, mas como dinâmicas de mobilização mais amplas que servirão para tirar o governo da defensiva e para preparar uma vitória em 2026: uma vitória não apenas eleitoral e de defesa formal da democracia, mas com um sentido de garantia e ampliação de direitos que melhoram a vida do povo.