O golpe de Estado contra Bashar al-Assad foi orquestrado pelo imperialismo a partir da nova ofensiva no Oriente Médio no ano de 2001. A primeira tentativa mais agressiva se deu em 2005. A mais violenta delas, que gerou a guerra brutal, ocorreu em 2011. No fim, o imperialismo derrubou Assad apenas em 2024. Um aspecto que não deve ser ignorado, principalmente por aqueles que lutam contra golpes em outros lugares do mundo, é como as políticas neoliberais enfraqueceram o regime político abrindo o flanco para o golpe.
Durante a presidência de Hafez al-Assad (pai), iniciada em 1971, o Partido Baath construiu um estado de bem-estar abrangente, com foco na produção nacional e nos serviços públicos. Garantiu acesso gratuito à saúde e à educação até o nível universitário. O foco na produção agrícola fomentou a autossuficiência em culturas estratégicas, reduzindo os preços de bens essenciais. O país não era rico, mas isso garantiu uma qualidade de vida muito acima do padrão para o Oriente Médio.
No entanto, quando Bashar al-Assad assumiu o poder em 2000, a Síria iniciou reformas econômicas neoliberais dada a pressão do imperialismo. Elas incluíram a abertura de mercados ao comércio exterior, a redução drástica de restrições à importação e a privatização de empresas estatais. Entre 2000 e 2007, o número de bens sujeitos a restrições de importação caiu de 3.000 para apenas 100, ou seja, abrindo margem para destruição da indústria interna.
A reforma do setor bancário acelerou ainda mais essa transição. Em 2001, a promulgação da Lei de Bancos Privados facilitou o surgimento de novos bancos privados com participação estrangeira, alterando fundamentalmente o cenário financeiro da Síria. Até 2018, a Síria já contava com 14 bancos privados, em grande parte estrangeiros.
A abertura do setor agrícola foi outra iniciativa controversa. Fazendas estatais, coletivamente geridas desde a era de Hafez, foram privatizadas, resultando em uma concentração da propriedade de terras. Em 2008, apenas 28% dos agricultores controlavam 75% das terras irrigadas, enquanto quase metade dos agricultores possuía apenas 10%. Essa privatização devastou a vida dos trabalhadores rurais, a força de trabalho dos camponeses diminuiu 40% entre 2002 e 2008. O emprego no setor agrícola caiu de 32,9% em 2000 para apenas 14% em 2011.
O setor de saúde também foi afetado pelas reformas neoliberais sob Bashar al-Assad, marcadas por uma transição para a comercialização, impulsionada pelo Programa de Modernização do Setor de Saúde, endossado pela União Europeia em 2003. A qualidade e a disponibilidade dos serviços públicos de saúde diminuíram, forçando muitos sírios a recorrer a opções privadas. No plano internacional, os gastos da Síria com saúde despencaram para 0,4% do PIB antes de 2010, em contraste com a norma global de 5 a 12,5%.
Uma segunda onda de reformas neoliberais começou em 2005, após extensas consultas com o FMI e o Banco Mundial. Estas incluíram cortes drásticos nos subsídios que, em 2008, fizeram os preços do diesel dispararem 257%. O aumento nos custos de produção forçou muitos agricultores a migrar para áreas urbanas em busca de emprego, enquanto os setores industriais também foram paralisados pelos custos elevados. As políticas econômicas de Bashar al-Assad fomentaram um empobrecimento social sem precedentes, mesmo com o PIB crescendo 4,3% ao ano entre 2000 e 2010, isso não significou um impacto real na população. Em 2007, 33% dos sírios viviam abaixo da linha da pobreza, enquanto outros 30% estavam pouco acima dela.
A conciliação precede o golpe de Estado
O governo Assad foi vítima do tradicional caminho dos governos golpeados. Diante da pressão do imperialismo cedeu cada vez mais, aplicou uma verdadeira política da direita neoliberal com um impacto muito negativo para os trabalhadores. Isso abriu margem para as grandes manifestações da Primavera Árabe, que de princípio não eram atos golpistas financiados pelos EUA, eram uma mobilização contra essa política neoliberal. Ele, invés de mudar de política, reprimiu as manifestações, o que abriu margem para a ação golpista.
Os EUA financiaram a oposição armada que tentou derrubar Assad e foi o movimento de luta contra o golpe, com auxílio do Irã e da Rússia, que acabou salvando seu governo. A oposição síria, ligada aos EUA e a “Israel”, claramente seria pior que Assad, o Estado Islâmico e a Al-Qaeda também, isso fez com que um setor dos trabalhadores se aglutinasse em torno do governo para derrotar o golpe. Mas após a vitória e a estabilização do país em 2018, Assad reverteu essa política econômica.
Em 2019 a realidade havia mudado muito, o país estava destruído, parcialmente ocupado pelos EUA, e por mercenários ligados aos EUA, o petróleo não estava mais sob o controle do governo central e o governo norte-americano impôs as sanções mais brutais do século XXI, as sanções César. Nessa situação seria necessária uma política economia radical para auxiliar o povo, pedir todo auxilio possível da China, da Rússia e do Irã, não foi o que aconteceu.
Os 11 anos de neoliberalismo antes da ofensiva golpista tiveram um impacto muito grande nos trabalhadores e enfraqueceram o governo. E depois da guerra Assad cometeu o mesmo erro que antes, tentou se equilibrar entre o imperialismo e a resistência. Dessa vez a história não o perdoou, seu governo caiu em última instância por não assumir com afinco a luta contra o imperialismo.