A recente decisão da Meta, anunciada por seu CEO, Mark Zuckerberg, de descontinuar o programa de checagem de fatos em suas plataformas é emblemática dos desafios enfrentados por governos e pela sociedade civil na regulação do ambiente digital.
A empresa, sob o pretexto de “restaurar a liberdade de expressão”, propõe medidas que enfraquecem ainda mais a moderação de conteúdo e colocam em risco direitos humanos fundamentais. Esse movimento não apenas subestima os impactos nocivos da desinformação e dos discursos de ódio, mas também reflete a resistência das grandes plataformas às tentativas de regulação por parte de Estados democráticos, especialmente na América Latina.
Com o fim do programa de checagem de fatos, criado em 2016, a Meta substitui uma abordagem focada em parcerias com especialistas por um modelo de “notas comunitárias” inspirado no controverso sistema utilizado pela plataforma X (antigo Twitter). O que alguns estudos já têm apontado é que, na verdade, a política de “notas da comunidade” tem potencial de ampliar a disseminação de desinformação, discursos de ódio e conteúdos prejudiciais, deixando vulneráveis os grupos que mais dependem de um ambiente digital seguro e inclusivo.
Ao mesmo tempo, a empresa anunciou a ampliação da personalização de conteúdo político, o que pode intensificar as “bolhas informacionais” – fenômeno que já demonstrou contribuir para maior polarização do debate público e limitação da diversidade de perspectivas democráticas.
Essa decisão também está acompanhada de críticas a iniciativas regulatórias de governos latino-americanos, especialmente o Brasil, e de um alinhamento com discursos ideológicos contrários ao fortalecimento de direitos digitais. Tais medidas evidenciam um reposicionamento estratégico da Meta, priorizando os lucros corporativos em detrimento de sua responsabilidade social.
Limitações das práticas de moderação
É importante lembrar que o programa de checagem de fatos da Meta tinha o mérito de ser uma tentativa de conter a disseminação de desinformação, envolvendo parceiros especializados e trazendo algum nível de responsabilidade sobre conteúdos compartilhados nas plataformas. No entanto, sua aplicação era limitada e insuficiente diante do volume de desinformação. Além disso, não conseguia lidar com as nuances culturais e políticas locais, nem resolver questões sistêmicas ligadas ao design algorítmico das plataformas.
Com o fim desse programa, a situação só tende a piorar, com maior exposição dos usuários a conteúdos nocivos e menos ferramentas para responsabilizar as plataformas por suas externalidades negativas.
Desafios da regulação digital
Diante desse cenário, o Brasil – que tem um papel protagonista no debate latino-americano sobre esta matéria – deve assumir uma posição firme na defesa de direitos digitais e no fortalecimento da regulação de plataformas. Isso exige a busca por uma regulação que garanta a proteção dos direitos humanos e o combate à desinformação. O que inclui, dentre outras medidas: implementar e fiscalizar marcos regulatórios, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais; estabelecer parcerias com organismos internacionais e sociedade civil para criar diretrizes globais de governança digital; exigir por meio de lei, como o PL 2630/20 já indicava, transparência e accountability das plataformas, incluindo relatórios regulares sobre moderação de conteúdo.
A grande dificuldade para isso será a resistência de big techs como a Meta, que utilizam sua influência econômica e política para deslegitimar regulações em todo o mundo, o que favorecerá a expansão de “bolhas informacionais” dentro das plataformas, propagando mais rapidamente a desinformação e dificultando a construção de consensos democráticos.
A decisão da Meta reflete um problema estrutural no ambiente digital: a concentração de poder nas mãos de poucas corporações, que atuam como árbitros unilaterais do debate público. Ao negligenciar suas responsabilidades, as plataformas contribuem para a desestabilização de processos democráticos e a ampliação de desigualdades.
Frente a isso, o Brasil precisa garantir que as redes digitais não se tornem espaços de amplificação de desinformação e de discursos de ódio, mas ambientes que promovam o pluralismo e a segurança digital.
Além disso, um caminho crucial no sentido de redução da dependência das big techs é a promoção da soberania tecnológica. Investir em infraestruturas públicas, sistemas livres e distribuídos, e desenvolver alternativas não-corporativas são iniciativas que podem ser lideradas em nível nacional e também latino-americano. Isso envolve a criação de plataformas que priorizem a segurança, a inclusão e o respeito aos direitos digitais, bem como o fortalecimento de redes regionais que compartilhem soluções tecnológicas e conhecimentos.
Dessa forma, a resistência às práticas de responsabilidade por parte da Meta não pode ser vista como uma questão isolada. É um momento crucial para que governos, organizações e cidadãos ao redor do mundo fortaleçam iniciativas que priorizem os direitos humanos, a segurança digital e a construção de uma internet mais segura. A luta por uma governança digital centrada nas pessoas não é apenas uma questão de regulação – é também uma luta por soberania, equidade e democracia em um mundo cada vez mais conectado.