O deputado federal bolsonarista Pedro Lupion (PP-PR) publicou um artigo no portal direitista Poder360 intitulado MST, invasões e a desculpa quase perfeita da reforma agrária, no qual se aproveita da paralisia do governo federal para atacar o MST e defender a tese de que o ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL), seria o maior “recordista histórico” no campo da reforma agrária. Diz Lupion:

“Outro ponto a destacar é que, considerando o total de titulações –contratos de concessão de uso, títulos de domínio e concessões de direito real de uso da terra–, o ano de 2022 foi recordista histórico, com a emissão de 396,2 mil documentos titulatórios. Isso demonstra que o governo anterior priorizou a emissão de títulos em vez da criação de assentamentos. Em outras palavras, a gestão passada optou por resolver o problema.”

A tese do deputado federal Pedro Lupion (PP-PR) é de que a emissão de 396,2 mil documentos fundiários em 2022 comprovaria que “o governo anterior priorizou a emissão de títulos em vez da criação de assentamentos”. A declaração, porém, é um golpe a começar pelo fato de que o governo Bolsonaro não assentou 396,2 mil famílias assentadas, ao contrário do que diz o parlamentar.

O dado correto, conforme registros do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA), do próprio governo federal, gira em torno de 370 mil documentos. O segundo golpe é que apenas 12% dessas emissões são títulos definitivos — aqueles que conferem, de fato, segurança jurídica e estabilidade fundiária aos camponeses. A imensa maioria corresponde a registros provisórios, como o Contrato de Concessão de Uso (CCU), que não transfere a propriedade, não tem validade cartorial e apenas confirma a relação do assentado com o INCRA.

Finalmente, o número de títulos apresentado pelo deputado, portanto, mistura documentos sem valor legal com títulos precários e também, outro golpe, registros de ocupações anteriores à gestão Bolsonaro. Muitos dos documentos entregues a partir de 2019 referem-se a assentamentos criados por governos passados.

Segundo dados do próprio INCRA, apenas 9.228 famílias foram efetivamente assentadas nos quatro anos do governo Bolsonaro — o pior desempenho desde 1985. O que se tentou vender como “solução para o problema” da terra no Brasil foi, na prática, um processo de reclassificação burocrática e não uma política séria de redistribuição fundiária.

Mais ainda: o argumento de que “titular é resolver” parte de uma falsa premissa. O título fundiário, para além do nome impresso em papel, só produz efeitos concretos se acompanhado de condições materiais que garantam a permanência dos agricultores no campo. Infraestrutura, crédito, assistência técnica e apoio produtivo são condições necessárias para isso.

Contrariando isso, durante o governo Bolsonaro, o orçamento do INCRA sofreu sucessivos cortes, vistorias de terra foram suspensas, desapropriações deixaram de ser feitas, e até os quadros técnicos da autarquia foram reduzidos a níveis mínimos.

A suposta “priorização da titulação” é, na verdade, a aplicação de uma estratégia orientada à reconcentração fundiária. Após a aprovação da Lei 13.465/2017 — sancionada pelo golpista Michel Temer (MDB), mas plenamente operacionalizada sob Bolsonaro —, o governo federal passou a emitir títulos sem a exigência prévia de estruturação dos assentamentos.

Essa mudança legal permitiu transformar áreas destinadas à “reforma agrária” em ativos circuláveis no mercado de terras. O resultado é que, mesmo quando o título definitivo é concedido, ele frequentemente leva o agricultor à dívida, à dependência bancária e, muitas vezes, à perda do lote.

Por fim, o contraste entre número de títulos e número de famílias assentadas revela que o foco da gestão anterior não foi “resolver o problema”, mas esvaziar o conteúdo social da reforma agrária. Enquanto os governos anteriores assentaram centenas de milhares de famílias — com todos os limites que essas experiências possam ter —, Bolsonaro entregou menos de dez mil lotes e concentrou-se em converter antigos assentamentos em propriedades individualizadas, muitas vezes já existentes no papel.

Ao apresentar como “solução” uma política que camufla a paralisia do MST e do governo, manipula números e empurra o camponês para o endividamento, o deputado Lupion se esforça para criar uma miragem, de que não seria mais necessário garantir acesso à terra, mas apenas formalizar o que já existe. Essa política desobriga o governo de qualquer ação real contra o latifúndio e atende, acima de tudo, aos interesses dos grandes grupos econômicos que disputam espaço no campo brasileiro.

“Torna-se evidente”, conclui o parlamentar bolsonarista, “que o MST não busca a titulação ou a resolução das questões agrárias do Brasil. O movimento deseja, na verdade, perpetuar a influência sobre as famílias assentadas, impedindo que elas conquistem autonomia”, diz. O que ele convenientemente ignora é o motivo pelo qual o MST tem tanta “influência” sobre os camponeses.

Isso se deve ao fato de que a questão agrária encontra-se muito longe de uma solução real. Fosse sua crítica direcionada à imobilidade da esquerda no sentido de fazer a reforma agrária, não estaria de todo errada.

Sendo, porém, direcionada a atacar o MST (a maior organização da luta camponesa do País), fica claro que a solução que o parlamentar busca não é a que resolve os problemas dos camponeses, mas a dos latifundiários, os maiores interessados em destruir a organização dos camponeses para, assim, manter o monopólio da terra. É, portanto, uma demagogia tipicamente bolsonarista, o que cumpre um papel mais explícito no parágrafo abaixo:

“A reforma agrária poderia ser a bandeira perfeita para o MST e seus grupos paralelos, mas não é. O movimento nunca quis e jamais desejará uma verdadeira reforma: quer apenas instrumentalizar aqueles que aguardam a chance de uma vida digna e produtiva. Não há justificativa para o cometimento de crimes (grifo nosso) –e esses jamais terão a conivência de quem defende o desenvolvimento do país, como o setor agropecuário brasileiro.”

Após todo o debate sobre títulos e toda essa besteira de caráter técnico, no último parágrafo Lupion deixa, enfim, muito claro o que realmente está defendendo. Não se trata, nem por acaso, de assentar famílias camponesas que precisam de terra para se inserir no mercado produtivo. Tampouco se trata de mexer nos privilégios dos latifundiários, detentores do monopólio da terra, mas antes de tudo, se trata de defender esses privilégios

A opção por atacar o MST, dizendo que ele “apenas instrumentaliza quem aguarda a chance de uma vida digna e produtiva”, é própria de um fascista cuja política é destruir as organizações de luta dos setores oprimidos da sociedade. Ao associar a luta pela terra a um suposto “cometimento de crimes”, o que o parlamentar bolsonarista está defendendo é o uso do aparelho de repressão para resolver, pela força do terror estatal, o problema político dos grandes proprietários de terras. O verdadeiro objetivo de Lupion é deixar esses setores empobrecidos, talvez os mais esmagados da sociedade, os sem terra, numa situação ainda pior do que as que se encontram atualmente.

Finalmente, a conclusão para coroar essa peça de propaganda fascista mal disfarçada, quando diz que “não há justificativa para cometimento de crimes”. Acontece que o verdadeiro crime existente no Brasil é o latifúndio. Tudo o que os sem terra fizerem para combater esse câncer que barra o desenvolvimento do País, para acabar com essa estrutura criminosa de monopólio da terra, por mais deselegante e até mesmo brutal que seja, está mais do que justificado pela mera existência do latifúndio privado.

O que o MST e os demais grupos de luta pela terra fazem não é crime, é luta por seus direitos. Dada essa realidade, qualquer ação adotada pelas organizações camponesas não apenas devem ser amparadas e defendidas, mas inclusive estimuladas, até que essa chaga que é o monopólio privado da terra desapareça.

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Last Update: 26/04/2025