“Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça na desigualdade.”
Papa Francisco
Na torcida pela recuperação desse profeta que é o Papa Francisco, temos de admitir que, até aqui, sua luz nos iluminou o caminho.
No Brasil, tirou-nos do inferno da extrema-direita. Se ainda não chegamos ao céu, no Hades não estamos mais.
Tudo isso sob uma verdadeira tempestade de golpes, agressões, terrorismo, lawfare, entre outras violações de direitos humanos, comandada pela oligarquia local e seus braços midiático e armado.
Mas resistimos e continuaremos lutando.
A vida nos surpreende com sua capacidade de mostrar que os frutos podem demorar a amadurecer, mas maturam.
Um exemplo singelo: como é sabido, a Serra Gaúcha é uma das regiões mais conservadoras do país, onde a extrema-direita colhe o maior número de votos e onde se encontra a cidade que nela mais votou.
Pois bem, na mesma Serra encontrei o único banheiro respeitoso da identidade de gênero, com os seguintes dizeres na entrada dos banheiros feminino e masculino: “Feminino – Feminine” e “Masculino – Masculine”.
Eu não havia visto tal respeito em São Paulo, no Rio ou em Porto Alegre.
Só não cito o nome do restaurante por temor de represálias da extrema-direita, que chegou a agredir até Marcelo Rubens Paiva neste fim de semana, em pleno Carnaval, na Rua Augusta, em São Paulo.
Como pode alguém ser agredido em meio a uma manifestação cultural?
Para a extrema-direita, todo dia é dia…
Em Uma Missão de Fé (edições CNBB), o padre Salvador Maria Rodrigues de Brito recorda sobre nossas raízes africanas:
“…é fundamental realçar que, para o povo africano, e em especial para o povo macua, a vida é cultura e cultura é vida. Ou seja, não há distinção entre as duas. Viver significa manifestar plenamente a cultura que faz parte de cada povo.”
Em Um Rio, Um Pássaro (Editora Dantes), Ailton Krenak, como sempre, ascende e converge:
“Envolver-nos com afeto uns com os outros, independentemente das fronteiras que separam nossos países. Essas fronteiras foram necessárias durante muito tempo, mas os humanos estão desafiados agora a evoluir. Nós precisamos evoluir, e evoluir significa transpor fronteiras. Fronteiras geopolíticas, fronteiras econômicas, fronteiras culturais. A gente tem de se envolver com o planeta, se envolver com a Terra, se envolver com os ecossistemas, que são a fonte de tudo o que a gente tem. Nós só podemos ter riqueza se a Terra continuar viva, com saúde e abundância para todos os seres. A Terra é a única mãe, é a única fonte, é a única provedora de riqueza. É impossível produzir riqueza em um lugar neutro.”
Vemos que, aos poucos, vamos também transpondo as fronteiras culturais que nos aprisionavam em apenas dois gêneros, erroneamente determinados pelos órgãos sexuais. Limitação essa que a cultura chinesa há milênios deixara para trás, não identificando o feminino e o masculino aos órgãos sexuais, um erro que Carl Gustav Jung, pai da psicologia analítica, corrigiria no século XX.
Impressionante como a extrema-direita tanto fala em liberdade, mas atua ao contrário: limitando, restringindo, aprisionando. Como fez Trump, ao determinar que só o sexo biológico teria validade para a identificação dos cidadãos e cidadãs estadunidenses.
Mas a vida brota, como fonte, como água. Escorre, se esparrama, inunda e fecunda.
Que linda cena a do refém israelense que beijou os guerrilheiros do Hamas no momento de sua libertação.
Em Pindorama, a imprensa das oito famílias e do capital financeiro quase surtou: disseram que era um “espetáculo” condenado pela comunidade internacional, pela ONU (rs) etc.
Tão pequena, tão limitada e, por isso, tão ridícula a nossa mídia nativa, que, na verdade, é apenas vassala da oligarquia local — a serviço dela e de seu verdadeiro patrão: o capital financeiro internacional.
Com olhos de águia, que interpretam e preveem, Krenak, na obra citada, ajuda-nos a ver em profundidade os fatos políticos, em toda a sua extensão e em qualquer latitude e longitude:
“A possibilidade de estabelecer um pensamento neutro em relação à política e à natureza é uma produção dos últimos duzentos, trezentos anos. Ninguém pode ser neutro em nada. Nós somos profundamente envolvidos com o que acontece.”
Como dizem os jovens: neutro, só xampu de bebê.
Krenak, ainda no mesmo livro, explica:
“Os nossos ancestrais sabiam o que se deveria fazer neste mundo, nesta existência. Isso porque herdavam a memória do povo. Somente ao compreender seu povo, pode-se reconhecer a si mesmo. Ou seja, o ser humano, ao ter o referencial da sua cultura, poderá saber quem é e para onde está indo… Somente sabendo de onde veio conseguirá se harmonizar com o mundo e viver em paz.”
Somos como árvores e flores que brotam no asfalto, no cimento, em meio a pedras e espinhos.
Não se pode parar a vida. Nem a morte pode fazê-lo.
Com efeito, as heranças são afetivas, culturais — sementes que terminarão por brotar, indicando caminhos, sendas, atalhos para os que virão.
Que o Papa Francisco, pajé da tribo dos que anseiam pela paz e pela justiça, continue a nos iluminar nas estradas do comprometimento, da participação e da inclusão — social e econômica.