As frágeis garantias de segurança como um imperativo às negociações de paz na Guerra Russo-Ucraniana
por Patrícia Nasser e Arthur Andrade
No dia 24 de fevereiro de 2025, completaram-se três anos da decisão russa de prosseguir com a invasão em larga escala do território da Ucrânia. Nesse sentido, a escalada da Guerra Russo-Ucraniana, que também é considerada a maior invasão a um território soberano na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, apresentou-se, na verdade, como uma continuação das ofensivas iniciadas pela Rússia em 2014, haja vista a anexação de facto da península ucraniana da Crimeia e as instabilidades recorrentes na região ucraniana de Donbass.
Após três anos da decisão russa de fevereiro de 2022, a imagem colocada pelo fronte de batalha é de um conflito em que o lado ucraniano, relativamente em desvantagem, luta pela recuperação das regiões ocupadas ilegalmente pela Rússia, a exemplo de territórios nos oblasts de Zaporizhzhia, Lugansk, Donetsk e Kherson, para além da própria península da Crimeia. Ademais, nos últimos meses, a Ucrânia tem enfrentado um problema demográfico para recrutar novos combatentes, principalmente em razão do debate em vigor no país de reduzir a idade de recrutamento de 25 para 18 anos, sendo esta uma proposta que enfrenta ampla resistência por parte da população ucraniana.
Em conjunto a isso, a recente reeleição de Donald Trump para seu segundo mandato como Presidente dos Estados Unidos da América impõe desafios complementares, para não dizer existenciais, à continuação do esforço ucraniano de defesa do seu território e da sua soberania. De maneira prática, ainda que os países europeus tenham contribuído financeiramente com o esforço de guerra ucraniano, despendendo, para isso, porcentagens consideráveis de ajuda em relação ao PIB (produto interno bruto), desde o início do conflito, são os Estados Unidos os maiores responsáveis pelo fornecimento de ajuda tática e de inteligência para garantir que a Ucrânia tenha sucesso contra as agressões russas.
Há menos de dois meses no cargo, Donald Trump seguiu com a paralisação da ajuda militar à Kyiv e com a interrupção do compartilhamento de inteligência com a Ucrânia. Também exigiu agradecimento público do líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, pela assistência conferida pelos Estados Unidos, para além de ter reivindicado o retorno desses valores ao seu país por meio da assinatura de um acordo bilateral que permita o acesso de Washington às ricas e estratégicas reservas ucranianas de minerais de terras raras.
No entanto, o presidente norte-americano mostra-se aberto a intermediar as negociações de paz entre russos e ucranianos, declarando publicamente esta posição desde a sua campanha eleitoral no ano de 2024. Essas declarações, ainda que possam ser retóricas em alguma medida, não deixam de demonstrar um realinhamento da política externa norte-americana, que efetivamente tem conferido mais apoio a Moscou e se afastado da aliança estreita com Kyiv, por sua vez cultivada pelo expresidente Joe Biden. Portanto, de maneira contrária ao desejo de Kyiv, e da maioria dos países europeus, Donald Trump reposiciona a política externa dos Estados Unidos frente à guerra.
A título de exemplo, Washington recentemente anunciou a iniciativa de prosseguir com negociações bilaterais com Moscou, subestimando, dessa forma, os posicionamentos da Ucrânia e dos demais países europeus quanto às expectativas e demandas para o fim da instabilidade no continente europeu. Além disso, mais do que nunca, Trump pressiona os países da Europa, os quais, em sua maioria, são membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a tomarem a segurança e defesa como suas responsabilidades, diminuindo a sua dependência dos Estados Unidos nesse quesito.
Em meio às negociações correntes, contudo, um imperativo tem se mostrado constante por parte das condições apresentadas por Kyiv para prosseguir com a assinatura de um acordo de cessar-fogo com Moscou: o provimento de garantias de segurança para a Ucrânia. Isto é, a Ucrânia deseja ser assegurada de que uma possível nova ofensiva russa no futuro seria respondida militarmente por parte dos países que asseguram a sua soberania, sejam eles aliados europeus e/ou norte-americanos.
Nesse sentido, desde a escalada do conflito em 2022, três fontes de garantias de segurança para os ucranianos têm sido avaliadas: tornar-se um Estado membro da União Europeia, tornar-se um Estado membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, ou mesmo a busca por capacidades independentes de dissuasão nuclear. No que se refere ao pleito de se tornar um Estado-membro da União Europeia, esta demanda foi oficialmente feita por Volodymyr Zelensky quatro dias após o início das ofensivas em 24 de fevereiro de 2022. Em junho do mesmo ano, a Ucrânia recebeu o status de candidata à Estado-membro da União Europeia, mas desde 2024, quando começaram as negociações de adesão, poucos foram os progressos.
Não obstante exista forte apoio político de cidadãos e de dirigentes europeus à adesão da Ucrânia à União Europeia, é certo que ainda há um longo, complexo e exigente caminho pela frente. Esse processo compreende desde exigências de reformas políticas do país, em particular na luta contra a corrupção, até o convencimento de Estados-membros da própria União, a exemplo da Hungria e da Eslováquia, que têm apresentado posicionamentos mais alinhados às demandas russas. Com efeito, desde os anos 2010, os europeus demoraram para atender as demandas ucranianas para avançar nas negociações de acordos que aproximassem Bruxelas e Kyiv. Após a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, a União Europeia pouco se envolveu diretamente em esforços diplomáticos para resolver as disputas entre russos e ucranianos. Tendo em vista o momento sensível que atualmente vive o bloco europeu, imerso em algumas crises de dimensão econômica e pressionado pelos Estados Unidos, é pouco provável que a Ucrânia possa se amparar apenas na possível membresia da União Europeia como fonte de garantias da sua segurança, ao menos no curto prazo.
O mesmo pode ser dito pelo anseio da Ucrânia por se tornar um Estado membro da OTAN. Desde 2022, quando houve a expressa candidatura da Ucrânia para ingressar na aliança militar atlântica, alguns Estados membros, sobretudo os Estados Unidos, deixaram claro que não estavam preparados para admitir o país. Mesmo os apoiadores mais comprometidos com o pleito da Ucrânia de se tornar um futuro membro da organização parecem dispostos a convidar o país somente após o fim da Guerra Russo-Ucraniana. Desse modo, não há consenso ainda de que os ucranianos devam contemplados com as garantias de segurança provenientes no Artigo V do Tratado do Atlântico Norte.
Por último, como exposto pelo próprio presidente ucraniano em outubro de 2024, a sobrevivência da Ucrânia enquanto um Estado soberano estaria dependente do país conseguir ingressar à OTAN ou por meio da conquista de capacidades independentes de dissuasão nuclear. E como a opção pela OTAN se mostra cada vez mais distante, a discussão acerca da proteção da Ucrânia por meio de armas nucleares próprias volta a ser aberta. Em 1994, o país concordou em retornar armas nucleares soviéticas presentes em seu território em troca de garantias de segurança por parte dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Rússia, no que ficou conhecido como o Memorando de Budapeste. Mas desde a violação desde documento por parte da Rússia, primeiro em 2014, e novamente a partir de 2022, esta opção volta a ser considerada em Kyiv, e, desse modo, torna-se cada mais difícil não considerar a proliferação deste tipo de armamento por parte da Ucrânia.
Diante de todos esses acontecimentos, há o imperativo do provimento de garantias de segurança para a Ucrânia pelo fim da Guerra Russo-Ucraniana, que se mostram frágeis. Essas opções deveriam consideradas, diante das demandas e as condições trazidas por Kyiv, para qualquer progresso na assinatura de um cessar-fogo com Moscou.
Patrícia Nasser é Professora Adjunta do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Arthur Andrade é graduado em Relações Econômicas Internacionais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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