A indústria de remédios é uma das mais obscuras e polêmicas do planeta. Como há restrições à publicidade de medicamentos, desenvolveram canais informais de relacionamento com a mídia.
Dei-me conta disso quando montei a seção Seu Dinheiro, no Jornal da Tarde. Além do mercado, uma das seções sugeridas era a de análise de medicamentos. Na época, conversando com o professor Maurício Korolkovas, da Universidade de São Paulo, soube que o Vitasay – remédio amplamente divulgado por campanhas milionárias – era tratado no meio farmacêutico como “Vitasay, o entra e sai”. Isso porque ele não desmanchava no estômago. Portanto, não tinha nenhum efeito terapêutico.
A proposta da seção médica não passou. E também não passou na Folha.
Mas nenhuma empresa farmacêutica jogou tão pesado no país quanto a multinacional dinamarquesa Novo Nordisk. Era fornecedora de insulina para o SUS (Sistema Único de Saúde). No período de José Serra como Ministro da Saúde, foi criada a Biobrás, que produzia insulina com base em bovinos. A chegada da Biobrás derrubou os preços da insulina praticados pela Novo Nordisk. Houve uma licitação, e, enquanto a Biobrás apresentava preços incluindo impostos, Serra aceitou que a Novo Nordisk apresentasse preços com isenção de impostos de importação. A Biobrás entrou na Justiça e derrubou a medida. A reação de Serra foi fazer compra sem licitação, praticamente acabando com a Biobrás.
No meu livro “O Caso Veja”, conto inúmeros casos de venda de matérias pela revista, divulgando os efeitos de remédios contra diabetes para tratamento de emagrecimento – algo proibido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Todas as matérias tinham o selo da Novo Nordisk.
A empresa foi fundada em 1923, na Dinamarca, e produz remédios para diabetes (insulina, análogos de GLP-1 como Ozempic e Wegovy), obesidade e doenças endócrinas raras. Atua em mais de 80 países e tem uma receita de mais de US$ 30 bilhões.
O sucesso recente de medicamentos como Ozempic e Wegovy gerou debates sobre sua publicidade e uso indiscriminado para emagrecimento, incluindo impactos no mercado alimentar.
O financiamento de pesquisas científicas, como no caso do projeto de reformulação da Classificação Nova, levanta questões sobre potenciais conflitos de interesse, especialmente porque a empresa tem interesse direto em questões de nutrição e obesidade.
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A pesquisa mereceu uma carta aberta do Professor Carlos A. Monteiro à Professora Susanne Bügel, abordando preocupações sobre um projeto financiado pela Fundação Novo Nordisk para criar uma “nova geração” do sistema de classificação de alimentos Nova.
Monteiro, que liderou o desenvolvimento da classificação Nova original, expressa objeções ao uso do nome “Nova” pelo projeto e suas potenciais implicações.
Os pontos principais da carta incluem:
- A classificação original Nova e o conceito de alimentos ultraprocessados (AUP) foram desenvolvidos pela equipe de Monteiro na Universidade de São Paulo e são amplamente reconhecidos na literatura científica.
- O projeto financiado pela Novo Nordisk visa desenvolver a chamada classificação “Nova 2.0”, à qual Monteiro se opõe fortemente.
- Ele critica Arne Astrup , uma figura-chave por trás do projeto, por declarações anteriores contra a classificação Nova e por suas conexões com pesquisas financiadas pela indústria.
- A carta destaca preocupações de que o projeto poderia deturpar ou cooptar a classificação Nova de maneiras que atendessem aos interesses corporativos, potencialmente prejudicando a pesquisa existente sobre alimentos ultraprocessados.
- Monteiro exige formalmente que o projeto não utilize o nome Nova, não implique uma associação com a classificação original Nova e não utilize o termo “alimentos ultraprocessados” em nenhuma nova classificação.
- A carta também é compartilhada com colegas e organizações internacionais que contribuíram para a estrutura Nova.
É uma declaração forte enfatizando a integridade científica e preocupações sobre a influência da indústria na pesquisa de classificação de alimentos.