As estapafúrdias ideias da senhora Landau

por Gilberto Maringoni

A entrevista da economista Elena Landau à Folha de S. Paulo deste domingo é terrorismo econômico em estado bruto. A chamada musa da privataria do governo FHC solta logo de cara um petardo de alta intensidade: “As expectativas estão muito ruins. Falta confiança. Não dá mais para falar de pequenos ajustes. Então, precisa dar um cavalo de pau. Não adianta olhar o copo meio cheio e dizer: ‘Ah, o PIB está crescendo, o desemprego está baixo’”. Sim, meias-palavras, meias-ideias, tudo esgrimido como se tábuas da lei fossem.

COMO “FALTA CONFIANÇA”? Falta para quem, cara-pálida? Os indicadores econômicos são bons, mas há o problema sério da inflação de alimentos e do viés claramente liberal do arcabouço fiscal. A visão douta da economista volta-se totalmente para o câmbio. Em parte é verdade. Mas vai além da alta do dólar a questão adentra a histórica destruição da política de estoques reguladores, implantados no Brasil a partir do governo Janio Quadros, em 1961. Através deles, o Estado comprava o excedente da produção agrícola, estocava em tempos de inflação baixa e vendia em armazéns públicos quando os preços disparavam. Os estoques reguladores brasileiros foram reconhecidos internacionalmente como eficiente política de equilíbrio da oferta em tempos de alta inflacionária.

As medidas foram trituradas pelos governos neoliberais, a partir de Fernando Henrique (1995-2003), sob a alegação de distorcerem o mercado. Fraseado sem sentido! Foi através de estoques reguladores que o governo de Franklin Roosevelt, nos EUA (1933-44), conseguiu conter ondas especulativas em meio ao New Deal.

LANDAU NÃO TEM A MÍNIMA PREOCUPAÇÃO COM ISSO. Como uma metralhadora desregulada, sai atirando e onde pegar, pegou. “O presidente da República não se deu conta da gravidade da situação. No meio da discussão do fiscal, dá aumento ao funcionalismo, assina decretos liberando empresa estatal para fazer a sua gestão de investimentos – estatais que já deveriam ter acabado”. Sim, como uma sinhá, passa pito no presidente a três por dois.

Mais adiante, releva as chantagens dos talibãs da alta finança: “É por isso que, quando culpam o mercado, eu não concordo. (…) O mercado foi paciente. Aceitou a PEC da Transição e deu o maior apoio a Lula e ao arcabouço de Haddad —até chegar ao ponto em que ficou claro ser insuficiente”. Qui bunitinho! Ela fala como se “o mercado” fosse um serzinho com vontades e comportamentos edificantes – ser “paciente” seria um deles – que só precisa que lhe façam as vontades. Nessa algaravia toda, só faltou dizer que essas seriam as vontades do povo.

Tenho escrito que o governo erra forte ao traçar uma regra fiscal que pune o funcionalismo com arrocho salarial e busca restringir políticas públicas, como o BPC e o salário mínimo. Mas Landau quer sangue e insiste em quimeras caras ao neoliberalismo, como o fantasma da relação dívida/PIB (escrevi há dois dias sobre a ineficácia desse indicador como prova do que quer que seja em economia).

A NOÇÃO QUE A SENHORA LANDAU tem de democracia é um mimo. Cita para isso, além de FHC, o golpista de 2016: “Nos governos Temer ou Fernando Henrique Cardoso, a equipe econômica tinha autonomia. Se dizia: ‘Ah, presidente, precisamos privatizar a Telebras, precisa ter um teto de gastos’, a resposta era, ‘OK, se isso é necessário para a estabilização do Real””. Que gracinha: torra-se uma estatal estratégica porque meia dúzia de burocratas decide, com as planilhas embaixo do braço, o que é bom e o que não é.

O coroamento de seu raciocínio não poderia ser mais previsível: “Olhe Javier Milei, na Argentina. Apesar do PIB caindo, da pobreza aumentando, está se segurando porque reduziu a inflação do patamar de 20% para 2%. A inflação é inimiga do pobre.” Sim, matemos o povo de fome e recuperemos a credibilidade dos cemitérios. Ei, ei, ei, Milei é nosso rei!

Sempre que leio ou ouço o nome de Elena Landau, me vem à lembrança o LTD Landau, destaque da Ford nos anos do milagre brasileiro. Era o carrão dos sonhos da classe média emergente, inspirado no Galaxie americano 1966. Era também um primor de gastança em tempos de gasolina barata, difícil de estacionar e de manutenção cara. Saiu de linha na virada dos anos 1970-80. Não deixou saudades. Alguns ainda circulam por aí, como curiosidade vintage.

São mais ou menos como as ideias da senhora Elena Landau.

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

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Last Update: 05/01/2025