As dívidas

por Felipe Bueno

A Europa está em dívida. Nas várias acepções do termo, inicialmente olhando para si mesma: um projeto de mundo e de convivência que começou a ser sentido e desenhado no Humanismo que surgiu no ocaso da Idade Média, tomou suas primeiras formas na Época das Luzes, produziu duas revoluções de fato, algumas tantas efêmeras – e ainda outras que mal podemos dizer que saíram de verdade das mentes de seus criadores. Um projeto de mundo e de convivência que se tornou urgente a cada novo desentendimento entre as nações, e que se transformou em imperativo após 1945. Colocado em prática, não tem mais respostas para um grande número de perguntas. A Europa, portanto, em 2025, está em débito com seus cidadãos, e com a memória de todos que compuseram e apoiaram esse sonho.

A Europa está em dívida também externamente. Ainda no plano conceitual, desde Alexis de Tocqueville, deve muito aos pais da pátria do outro lado do Oceano Atlântico, cobaias de processos democráticos que fizeram eco e retornaram ao Velho Continente em busca de validação e aperfeiçoamento.

Mas a Europa também está em dívida para além dos conceitos. No plano real, os débitos financeiros, éticos e morais talvez sejam mais urgentes e tão difíceis de pagar quanto os teóricos.

Quando analisamos as relações recentes entre Europa e Estados Unidos, obrigatoriamente passamos pelo Plano Marshall e a reconstrução pós-Terceiro Reich. Consolidou-se uma visão de “Ocidente” que, mais que deixar de lado, confrontou a então União Soviética, e acabou por estabelecer uma polarização que ainda não morreu décadas após o fim da Guerra Fria. O que ainda vemos na Ucrânia hoje tem raízes locais muito mais profundas, mas a falta de resolução do conflito passa decisivamente por esse modelo de distanciamento estabelecido oitenta anos atrás. E essa posição aliada-subalterna da Europa frente aos Estados Unidos, digamos aceitável em tempos mais democráticos, torna-se quase entrópica quando o lugar-tenente das negociações chama-se Donald Trump.

Data da mesma época o abandono pós-exploratório europeu da Palestina, e aí surge outra dívida. Novamente, considerando o enorme peso das raízes locais do conflito que segue deixando vítimas, seria de se esperar que o débito imperialista, ainda que insuficiente para incentivar ações oficiais, fosse ao mínimo capaz de motivar pronunciamentos.

Albert Camus, em A Queda, escreveu sobre a terrível lassidão que o personagem principal sentia quando retomava um cenário de determinados antigos acontecimentos. Essa fraqueza, originada por um remorso ainda a superar, certamente produz insônia, mas, para além disso, pouco de concreto.

Até agora, pelo menos.

Chegará o tempo em que a Europa pagará suas dívidas? Quem serão os primeiros a receber? Quem ficará na fila dos precatórios? Ou seria melhor arquivar o caso com o carimbo de “prescrito”?

Sobre essas perguntas e outras mais, falaremos no próximo dia 28 de agosto em nosso Observatório de Geopolítica/Europa. Tendo ou não alguma dessas dívidas para cobrar, você está convidado.

Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.

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Last Update: 28/08/2025