Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o imperialismo “democrático”, confrontado com mobilizações revolucionárias em todo o mundo, partiu para uma ofensiva, até então inédita, de golpes de Estado. Em 1945, a derrubada de Getúlio Vargas inaugurou a onda de golpes na América Latina. Dois anos depois, na Nicarágua, o golpe do Anastasio Somoza Garcia garantiu que o país mantivesse uma ditadura por três décadas, até ser enfim derrubado por uma revolução.

Em 1950, um golpe militar no Haiti confirmou a tendência geral na América Latina, combinando elementos vistos tanto na Nicarágua, quanto no Brasil.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Haiti aprofundou ainda mais a sua relação de subserviência ao imperialismo norte-americano. Enquanto Vargas, impulsionado por uma burguesia industrial crescente, procurava estabelecer uma relação de acordos com o imperialismo — ainda que uma relação desigual —, a chamada “elite mulata” haitiana, acompanhando a política das oligarquias centro-americanas, abriu as portas para que o país se tornasse absolutamente submisso aos interesses estratégicos, econômicos e até mesmo culturais dos Estados Unidos.

Após o bombardeio de Pearl Harbor, em 1941, o presidente conservador Élie Lescot, que chegou ao poder com o apoio dos Estados Unidos, declarou guerra aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e prometeu todo o apoio necessário ao esforço de guerra dos Aliados (Estados Unidos, França e Reino Unido). O governo haitiano recebeu treinamento militar norte-americano e apoio logístico, reforçando a estrutura da Gendarmaria Haitiana (força de segurança criada na época da ocupação norte-americana), cujo papel no regime seria semelhante ao da Guarda Nacional da Nicarágua.

Desde 1936, com o rompimento das relações entre Haiti e França, os Estados Unidos passaram a deter o monopólio das relações comerciais com o país centro-americano. Com a Segunda Guerra, o governo norte-americano criou um sistema de cotas para os países que dominava, limitando a quantidade de mercadorias que poderia importar de cada local, priorizando os produtos de países mais estratégicos para o esforço de guerra. Esta medida teve efeitos negativos diretos sobre as exportações haitianas, porque o Haiti passou a vender menos para os norte-americanos, o que destruiu boa parte da sua economia, que já era bastante frágil.

Além disso, os produtos que o Haiti comprava dos Estados Unidos — como alimentos, combustíveis (gasolina, por exemplo) e outros bens essenciais — também passaram a ser controlados. Os norte-americanos direcionaram a maior parte desses recursos para seu próprio uso ou para aliados maiores. Tudo isso levou a uma situação de escassez generalizada, carestia e uma inflação muito alta. Para piorar a situação, o governo haitiano, sob pressão para contribuir com o esforço de guerra, expropriou terras de pequenos e médios agricultores para aumentar a produção de borracha natural, um insumo vital para fabricar pneus, botas e equipamentos militares. Quando a guerra acabou, os projetos agrícolas voltados para a guerra foram abruptamente abandonados, o que causou uma dívida externa imensa, equivalente a 60% do orçamento anual do governo.

A colaboração do governo Lescot com os Estados Unidos destruiu o Haiti de tal maneira que transformou o país em um barril de pólvora. Em 1946, mobilizações revolucionárias, especialmente dirigidas pela juventude, tomaram conta do país centro-americano, forçando a renúncia de Lescot.

As mobilizações haitianas foram muito mais profundas que na Nicarágua, onde Somoza permaneceu no governo por três anos e promoveu uma abertura tão controlada que o presidente eleito em 1947 durou menos de um mês no governo. No Haiti, Lescot foi obrigado a se exilar, e as forças armadas, ainda que tivessem tomado o poder, foram obrigadas a encontrar uma solução que acalmasse o país.

“As massas urbanas, especialmente as mais desfavorecidas, começaram a se mobilizar com mais força, pressionando por mudanças. Enquanto isso, o governo militar tentava contornar a situação e restaurar a ordem, mas precisava de uma solução política que fosse aceitável para as diversas facções em disputa. A busca por um governo civil provisório representava uma tentativa de legitimar a transição, mas a recusa da Corte de Cassação em aceitar a proposta complicou ainda mais a situação. Assim, o caminho das eleições se tornou a única alternativa viável para tentar resolver a crise e afastar o governo militar do centro do poder (L’énigme haïtienne — Échec de l’État moderne en Haïti. Sauveur Pierre Étienne. Presses de l’Université de Montréal. 2018).”

Em 1º de março de 1946, teve início o processo eleitoral, com a abertura das inscrições para a formação das listas eleitorais.

“Para surpresa geral, as grandes figuras do populismo e do socialismo, que eram muito populares na capital e nas grandes cidades, sofreram uma derrota significativa. Em Cap-Haïtien, a segunda maior cidade do país, a derrota de Henri Laraque, o candidato mais popular, gerou indignação entre a população. No dia 14 de maio, uma violenta manifestação de protesto foi reprimida com grande violência (idem).”

Apesar do radicalismo das mobilizações de 1946, as eleições daquele ano foram resolvidas em uma negociação entre os militares, a “elite mulata” e burocratas ligados aos insurgentes. Como resultado das negociações, foi eleito Dumarsais Estimé, grande proprietário de terras, ex-deputado e ex-ministro da Instrução Pública no governo anterior ao de Lescot.

Estimé era negro — e não mulato — e simpático às mobilizações, o que o credenciava a dirigir o Haiti naquelas circunstâncias. Ao mesmo tempo, era declaradamente moderado, opondo-se a uma grande reforma no regime político, o que o credenciou para ser tolerado pelos militares. Ainda que tenha chegado ao governo após uma grande insatisfação popular com a economia haitiana, produzida pelo chamado esforço de guerra, Estimé era, do ponto de vista da diplomacia, alinhado aos Estados Unidos.

Sob a pressão das mobilizações camponesas e operárias no Haiti e na América Latina como um todo, o governo Estimé tentou atender algumas das reivindicações mais urgentes dos sindicatos e partidos de esquerda. Entre essas medidas, destacam-se o aumento do salário diário dos trabalhadores, que passou de 0,30 para 0,70 dólares; a legalização dos sindicatos e dos partidos comunista e socialista; e a criação do Ministério do Trabalho. Ainda assim, o governo perseguiu líderes do movimento estudantil que estiveram presentes nas mobilizações de 1946.

“As exportações do país, que foram de 7 milhões de dólares em 1937 e 10 milhões de dólares em 1941, chegaram a 19 milhões de dólares em 1946 e 23 milhões de dólares em 1950. As receitas fiscais também aumentaram consideravelmente, de cerca de 7 milhões de dólares no período de 1930 a 1946, para aproximadamente 15 milhões de dólares entre 1946 e 1950 (idem).”

O desenvolvimento econômico do Haiti permitiu que Estimé acalmasse as tendências mais radicais da situação e se tornasse o homem mais popular do país naquela época. Estimé, ainda que em nenhum momento tenha ensaiado uma aproximação com a União Soviética, nem tenha contrariado os Estados Unidos em sua política externa geral, se tornou uma liderança popular importante. Isto, em um momento de retomada das mobilizações populares, poderia causar grandes problemas para a dominação imperialista.

Com a queda progressiva no preço do café, as condições econômicas se tornaram favoráveis para que os Estados Unidos se livrassem daquele governo. Em 10 de maio de 1950, um golpe militar apoiado pelos Estados Unidos e liderado por Paul Eugène Magloire depôs o governo de Estimé. O golpe deu lugar a uma ditadura profundamente contrarrevolucionária, que levaria a um novo recorde na dívida externa haitiana e a uma nova crise política em 1956.

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Last Update: 19/04/2025