Já era esperado que o ministro Luiz Fux abriria divergência e votaria a favor dos réus acusados de tentativa de golpe de Estado. Mas, em seu voto, o ministro cometeu uma série de contradições, que levantamos, a seguir:
Julgar STF incompetente, mas ter aceitado a denúncia
A primeira e principal alegação do ministro Luiz Fux para derrubar o processo de tentativa de golpe de Estado é de que o Supremo Tribunal Federal (STF) não seria a instância correta para o julgamento desta denúncia.
Em termos de ordenamento jurídico, este argumento deveria constar quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou a denúncia em março deste ano, e os ministros tiveram que votar se aceitavam ou não julgar o processo.
Na ocasião, Fux votou a favor, ou seja, ele aceitou julgar. Mais de cinco meses depois, ele coloca em seu voto o oposto: que o STF não deveria julgar.
O jurista Lênio Streck confirma o incongruência:
“Sobre voto de Fux: O STF já tem posição firmada sobre a competência. Não há como rever isso. E, aliás, Fux deveria ter levantado isso no recebimento da denúncia. Ali aceitou. A justificativa de que aceitou a competência quando do recebimento da denúncia de que o fez por ‘in dúbio pro societate’ não faz sentido neste momento. O próprio Judiciário já não adota esse adágio (in dubio a favor da sociedade). Quer dizer: no fundo, Fux foi do ‘in dubio pro societate’ para o ‘in dubio pro reo’.”
Julgar STF incompetente, mas pedir para ir ao Plenário
O julgamento da trama golpista ocorre na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que é a metade do total dos ministros da Corte. Mas após pedir que o STF seja considerado “incompetente” para julgar, o ministro solicitou que o caso fosse tratado por todos os ministros da Suprema Corte (julgamento pelo Plenário).
A alegação de Fux foi de que “seria realmente ideal que tudo [da última instância] fosse julgado pelo Plenário do STF”.
Julgar STF incompetente, mas entrar no mérito
Ao saber que seu voto será vencido, no que diz respeito à “incompetência do Supremo Tribunal Federal”, Fux não deixa de entrar no mérito do processo, ou seja, fazer ele próprio o julgamento da denúncia.
Ainda que haja abertura jurídica para tal e não seja uma ilegalidade, a postura é uma contradição em si: se o STF não deveria julgar, e o voto do ministro concluir que a Corte não pode fazer esse julgamento, ele tampouco deveria fazê-lo. Mas o faz.
Afirmar que houve e depois que não houve planos contínuos de crimes
Em momentos diversos de seu voto, Fux trouxe afirmações completamente opostas sobre o tempo que os réus planejaram cometer crimes.
Quando argumentou sobre a existência ou não de organização criminosa, Fux disse que não houve na denúncia descrição de “permanência e estabilidade” dos crimes cometidos:
“A denúncia não narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos reiterados de modo permanente, como exige o tipo de organização criminosa. As alegações finais do Ministério Público tampouco descreveram a permanência e a estabilidade da organização criminosa para a prática de delitos indeterminados.”
Mas, momentos antes, ao afirmar que os réus não teriam “praticado o delito”, somente “planejaram” praticar os crimes, Fux confirma que eles planejaram “durante vários meses”:
“Ainda que os agentes discutam durante vários meses se devem ou não praticar determinado delito, o caso cai no âmbito da reprovação moral e social. Mas não possibilita a atuação do Direito Penal. Se os agentes finalmente decidirem praticar atos e aqueles delitos planejados, responderão de acordo com sua respectiva autoria e participação.”
Garantismo para alguns réus, para outro não
O voto de Fux foi avaliado amplamente como sendo “garantista”, que significa assegurar o direito de ampla defesa e os direitos dos réus. Entretanto, para o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay, Fux “ficará vencido em um julgamento que garantiu todo o direito de defesa, e é nesta divergência que reside a beleza do direito”.
A contradição estaria que, em uma das alegações para defender os réus, Fux menciona o tempo ágil do processo, que não era benéfico para as defesas devido ao número grande de provas a serem analisadas e rebatidas. Kakay ressalta, contudo, que defender os réus é prezar pela agilidade, “pois existe nos autos um réu preso desde novembro“.
E que, inclusive, o réu preso General Braga Netto “poderia se insurgir contra qualquer demora”. Nesse sentido, Fux não atuaria como efetivamente um juiz garantista se pedisse o prolongamento do processo.
Segundo o advogado Kakay, ainda, Fux entrou em contradição a não apresentar “esta divergência” nos “diversos processos que já foram julgados” sobre os réus até o momento.