No dia 8 de junho, foi publicada no portal Brasil 247 uma coluna assinada por Reynaldo José Aragon Gonçalves intitulada O lobby que quer calar a regulação da IA. No artigo, o autor critica uma emenda aprovada na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos que impede que os estados do país aprovem leis de regulação da chamada inteligência artificial por um período de 10 anos.
Segundo Reynaldo, o que estaria por trás da aprovação da medida – parte do pacote legislativo enviado pelo governo Donald Trump ao Congresso sob o nome de One Big Beautiful Bill – seria o lobby das chamadas Big Techs, isto é, as maiores empresas imperialistas do ramo da tecnologia da informação.
No primeiro parágrafo, o autor escreve:
“A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou, de forma quase despercebida pelo debate público, uma emenda que impõe uma moratória de dez anos sobre qualquer lei estadual que tente regular a inteligência artificial e os chamados sistemas automatizados de decisão. A medida foi incluída no pacote orçamentário batizado de One Big Beautiful Bill e, se aprovada também pelo Senado, bloqueará por uma década a possibilidade de Estados como Califórnia, Illinois e Nova York legislarem sobre temas como reconhecimento facial, vieses algorítmicos, deepfakes, discriminação em processos seletivos e transparência de dados. Sob o pretexto de evitar um ‘emaranhado regulatório’ que prejudicaria a competitividade dos EUA frente à China, o que se tenta, na prática, é blindar as Big Techs contra qualquer forma de controle local — impedindo que legislações já em vigor continuem protegendo cidadãos comuns contra abusos cada vez mais sofisticados.”
O problema do raciocínio apresentado é que as Big Techs são, em sua maioria, contra o pacote de Trump. O próprio Elon Musk – dono do X e da Tesla e uma das figuras mais proeminentes do setor – rompeu com o governo e passou a atacar o presidente norte-americano justamente por conta desse conjunto de medidas.
É evidente que as empresas podem se opor ao pacote como um todo e, ao mesmo tempo, estarem interessadas em pontos específicos. Mesmo assim, a análise de Reynaldo apresenta uma contradição: não faz sentido sustentar que as Big Techs estariam por trás de uma medida que elas próprias têm combatido. Mais do que isso, o setor tecnológico, de maneira geral, tem se posicionado publicamente a favor da regulação da inteligência artificial.
Elon Musk, por exemplo, já afirmou diversas vezes ser favorável à existência de um marco regulatório para as IAs. O mesmo vale para Sam Altman, diretor-executivo da OpenAI (dona do ChatGPT), que já declarou ser necessária a regulação para impedir o avanço descontrolado de “modelos cada vez mais poderosos”. O mesmo discurso é adotado por outros representantes do setor, como Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Bill Gates.
Diante disso, fica a pergunta: a serviço de qual lobby estaria, afinal, a proibição da regulação das IAs?
O debate sobre a regulação da inteligência artificial se assemelha à discussão sobre a regulação das redes sociais. Enquanto setores da burguesia afirmam que essas leis visariam “conter abusos” e “proteger a população”, a realidade é que tais medidas beneficiam diretamente as grandes empresas do Vale do Silício. No caso brasileiro, por exemplo, a regulamentação da Internet concede poderes judiciais a essas empresas, permitindo que elas censurem conteúdos e persigam opositores políticos sem qualquer controle institucional.
No caso das IAs, há interesses ainda mais profundos. O avanço dessas tecnologias ameaça o domínio burguês em setores estratégicos da economia mundial. Um exemplo é a indústria cinematográfica, controlada por Hollywood, que há anos não produz nada de original e se sustenta com sequências e remakes malfeitos. A inteligência artificial permite que qualquer pessoa crie conteúdo com qualidade razoável, desafiando o monopólio da produção audiovisual.
No campo militar, o desenvolvimento das IAs também representa um problema para os países imperialistas. Tecnologias que antes eram exclusivas da OTAN hoje estão ao alcance de países oprimidos. Drones, por exemplo, que eram ferramentas de dominação, passaram a ser produzidos em larga escala por países como o Iêmen, que têm conseguido enfrentar até mesmo os porta-aviões norte-americanos no Mar Vermelho.
Outro setor afetado é o jornalismo. Com o uso de IAs, qualquer organização, mesmo com poucos recursos, pode produzir notícias e conteúdos informativos de qualidade, o que rompe com o controle tradicional da informação imposto pelo imperialismo.
Mas por que, então, essas empresas lançariam produtos que colocam em risco sua própria dominação? A resposta é simples: porque não é mais possível impedir o avanço da tecnologia. As grandes potências já conheciam essas ferramentas há anos, mas vinham tentando represar seu desenvolvimento. No entanto, diante do avanço da China e de outras nações, não puderam mais esconder ou atrasar a liberação desses sistemas. Foram obrigadas a colocá-los no mercado, acompanhados de campanhas de medo e histeria, para justificar regulações futuras.
Não há motivo para temer o desenvolvimento tecnológico. Ele virá, independentemente da vontade da burguesia. E, de fato, já está sendo usado para os piores fins: Microsoft e Google, por exemplo, colaboram com o genocídio promovido por “Israel” na Faixa de Gaza, fornecendo dados processados por inteligência artificial.
Portanto, o povo não deve exigir que se coloquem obstáculos ao avanço das tecnologias, mas sim lutar para que elas não estejam sob o controle exclusivo do imperialismo. A inteligência artificial tem o potencial de libertar a humanidade de trabalhos penosos e de milênios de exploração.
O artigo de Reynaldo também faz menção à situação brasileira, expressando preocupação com a possibilidade de o País seguir o modelo norte-americano e não aprovar leis para regular as IAs. Essa preocupação, como já dito, é infundada. O que deveria preocupar, de fato, é a total ausência de desenvolvimento tecnológico nacional. O Brasil continua dependente da tecnologia estrangeira, especialmente dos Estados Unidos e da Europa.
O caminho necessário é outro: romper com o imperialismo e construir, com base na cooperação com países inimigos do domínio norte-americano, uma indústria nacional de tecnologia. O perigo para o povo brasileiro não são as IAs, mas o controle que o imperialismo exerce sobre elas.