Por que a taxa Selic é tão elevada? O senso comum do mercado diz que é para reduzir a demanda agregada e diminuir a inflação. Pouco importa se a inflação é fruto de problemas climáticos, mudanças nos mercados mundiais.

O Banco Central mira exclusivamente o chamado “carry trade”. Trata-se de uma operação pela qual os investidores tomam dinheiro em uma moeda, a uma taxa de juros baixa, e aplicam em países com taxas de juros elevadas.

O resultado dependerá do diferencial da taxa de juros – entre o custo do empréstimo e a taxa de aplicação – e a variação cambial. Se houver desvalorização cambial no período, ele perde; se houver apreciação, ele ganha.

Vamos a um exemplo simples: no período o câmbio permanece o mesmo e a Selic rende 12,25% no ano. 

  1. Há um ano, o fundo pegou US$ 1.000.000 de empréstimo no Japão, a um custo de 1% ao ano. No vencimento, terá que pagar US$ 1.010.000
  2. O dólar estava valendo R$ 4,90. Convertendo em reais, ele ficou com R$ 4.900.000.
  3. Aí, ele deixou o dinheiro aplicado por 12 meses pela taxa Selic de 12,25%. No final do período, ele estava com R$ 5.500.250,00;
  4. Para sair do país, ele terá que adquirir dólares. Se o dólar continuasse valendo R$ 4,90, ele sairia com US$ 1.122.500. Como sua dívida é de US$ 1.010.000, seu lucro foi de 11,14%.

Mas suponhamos que, por alguma razão, o câmbio se desvalorize 10% e salte para R$ 5,39. Nesse caso, sua rentabilidade cairá para 0,85%.

Se a desvalorização cambial for de 20%, o dólar saltará para R$ 5,88 e o fundo terá um prejuízo de 7,38%.

Mas suponha que a Selic aumente 1 ponto e vá para 13,25%. O prejuízo da operação será de 6,56% – irrelevante perto da influência do câmbio. Vamos a duas comparações, com o câmbio a R$ 5,74 e a Selic a 13,25%, de quanto seria o ganho em 12 meses, se o câmbio parmenecesse inalterado. Seria de 12,13%.

Se se desvalorizasse 5%, a rentabilidade cairia para 6,79%. Ao contrário, se se apreciasse 5%, a rentabilidade subiria para 18,03%.

O que significa essa montanha de tabelas? Que o fato central para garantir a rentabilidade do investimento externo é o comportamento do câmbio, muito mais do que 1 ponto na taxa Selic.

Mas não apenas isso. Mais do que a análise do mercado interno em si, entra a comparação com outros países. Em dezembro, o carry trade do México e da África do Sul eram melhores do que o do Brasil. Aí, bastou um movimento inicial de desvalorização do real para fundos especulativos saírem do país, promovendo um overshooting no câmbio.

Confiram, então, a loucura. O câmbio é um preço essencial da economia. Serve para balizar investimentos externos diretos, impacta inflação, impacta balança comercial. Mas tudo fica dependendo dos humores do mercado. Aqui os fatores que influenciam o câmbio:

  1. Aumentos de taxas de juros no Japão, por exemplo, ou outro país que forneça o empréstimo a juros baixos.
  2. Mudança no câmbio ou nos juros de outros países, atraindo capitais.
  3. Terrorismo fiscal no Brasil.
  4. Mudança no cenário norte-americano.

Agora mesmo, fala-se que Donald Trump pretende taxar os chamados carryed interest – a taxa de performance que o gestor ganha sobre a rentabilidade dos fundos de private equity. Hoje em dia a taxa é de 20%, metade da faixa de imposto de renda individual mais alta, que é de 37%. É apenas um capítulo a mais de um processo de turbulência diária, promovida por Trump. E cada espirro lá, provoca uma gripe aqui.

O Banco Central tem razão em conduzir com cuidado a questão: um estouro do câmbio acaba com qualquer pretensão de reeleição. Mas é hora de começar a se discutir publicamente a questão das metas inflacionárias e do livre fluxo de capitais. A discussão tem que sair dos escaninhos do BC e do mercado, ampliar-se para as universidades e para a cobertura de mídia.

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Last Update: 17/03/2025