Foto: Dowglas Silva

Por Agatha Azevedo
Da Página do MST

Reconhecido internacionalmente, o artesanato produzido no Vale do Jequitinhonha, mesorregião localizada no nordeste de Minas Gerais, é considerado uma herança cultural ancestral. Existem indícios de que as primeiras peças modeladas com a técnica de fogo e barro sejam do período pré-colonial, e derivadas da cultura e da elaboração estética dos povos originários que habitavam a região.

A simplicidade e a delicadeza das peças, que são Patrimônio Cultural Imaterial de Minas Gerais, contrastam com a resistência e a força dos artesãos e das artesãs da região que lutam para manter seu modo de vida, passando os conhecimentos sobre o barro de geração em geração. E essa cultura também faz parte da luta pela terra na região.

Para Kelly Gomes, do acampamento Terra Prometida, no município de Felisburgo, o artesanato, assim como a luta por reforma agrária, é uma arte que “nasce das mãos”. A região do Baixo Jequitinhonha organiza o fazer da vida – que passa pela cultura, pela roça, pela comida e também pelo artesanato – a partir das “mãos que moldam mais do que o barro, mas moldam histórias e identidades”. Segundo a acampada, “cada peça carrega uma memória”.

A tradição retrata o talento e a sensibilidade das mulheres, que aprenderam a lidar com o clima seco e moldar a terra para o cultivo como moldam o barro. Lodila Mendes dos Santos tem uma vasta produção de peças em barro no Assentamento Bela Vista, localizado em Bela Vista de Minas. Para a artesã, o barro faz parte de sua vida. A arte foi ensinada por sua mãe, logo na infância. “Desde pequena eu mexo com artesanato, comecei com 10 anos de idade”, conta.

A valorização do conhecimento das mulheres está presente nas técnicas de produção com barro, mas também na lida com o campo, na produção de beiju, farinha, polvilho e goma fresca a partir da dureza da mandioca. Para Kelly, “o calor do fogão começa o ‘ritual do fazer’ na região”. “O que fazemos, na arte e na cozinha, é mais do que beleza e comida, é símbolo de autonomia e cuidado, dignidade e alegria”, conta.

Foto: Dowglas Silva

Nesse caminho de calma e continuidade da tradição, é necessário ter paciência para o processo do fazer. Lodila explica que a produção de cerâmicas em barro é composta de diversas etapas, e cada peça se torna única por ser concebida com esse cuidado. “Tem de bater o barro, amassar, e reamassar, cortar, secar, e só depois colocar no forno”, explica.

Considerada uma arte do saber popular, a cerâmica produzida na região relata a história do Vale do Jequitinhonha através do olhar das mulheres, que são a maioria das artesãs. A assentada afirma que o artesanato é mais do que uma fonte de renda, mas um ponto de encontro entre pessoas, e um organizador de seu cotidiano. “Quando eu fico sem fazer, eu fico ruim, é minha terapia”, relata.

Foto: Dowglas Silva

Até meados do século XX, o artesanato do Jequitinhonha era pouco conhecido fora da região. Somente a partir dos anos 1970 e 1980, com apoio de projetos governamentais e ONGs, é que a região passou a ter seu trabalho reconhecido amplamente. Nesse período, o artesanato começou a ter projeção nacional e internacional. As artesãs ganharam reconhecimento como verdadeiras artistas, e o artesanato se tornou uma importante fonte de renda para a região.

Motivo de orgulho, o artesanato produzido no assentamento é exposto em feiras locais e comercializado nos Armazéns do Campo do MST, e chega até São Paulo todos os anos, com a Feira Nacional da Reforma Agrária. Os preparativos no Assentamento Bela Vista já foram iniciados, e as mulheres da família de Lodila também participam do trabalho com barro. Animada, a artesã conta que irá continuar produzindo para a comercialização: “Eu tenho muito orgulho das peças que eu faço, é o ganha-pão da gente. Eu não paro, só vou parar quando morrer!”.

*Editado por Fernanda Alcântara

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Last Update: 29/04/2025