Arrogância farsesca e temor disfarçado
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Antes de comentar os desdobramentos do caso Bolsonaro no STF, reproduzo aqui duas imagens de Bolsonaro.
Numa delas espalhando ódio com a arma na cintura.

Na outra, o ex-presidente/réu está sentado quieto e bem comportado no Tribunal aguardando o momento de ser inquirido pelo crime de tentativa de golpe de estado.

Essas imagens não apenas resumem dois momentos bem distintos: a preparação do golpe que fracassou; a necessária adaptação à consequência do fracasso. Elas são uma prova contundente da bipolaridade de um líder que se deixou dominar pela fantasia de que poderia dar um golpe de estado sem correr riscos.
Marshall McLuhan disse que o meio é a mensagem. A mensagem aqui é que o meio (smartphone) pode ser utilizado para espalhar fake news, desinformação, campanhas de ódio e mensagens sobre e favoráveis à ruptura da legalidade, mas ele é inadequado à preparação de um golpe de estado. A única coisa que a ferramenta utilizada por Bolsonaro como um substituto da arma de fogo fez foi gerar uma profusão imensa de dados que provocaram uma crise grave e que agora serão utilizados como provas contra o líder do movimento golpista.
Toda a preparação do golpe de 1964 foi feita em segredo. Todo o despreparo de Jair Bolsonaro é exibido nas duas fotos. Numa ele se mostra arrogante como se pudesse subjugar um país de 211 milhões de habitantes usando o smartphone como uma arma. Na outro, ele se apresenta calado e totalmente desarmado.
Disse “totalmente desarmado” não porque ele estava sem a pistola na cinta, mas porque o smartphone dele se tornou inútil. Usando-o, Bolsonaro não conseguirá bloquear o STF, deletar o processo criminal que responde, fazer o Ministro da Suprema Corte sumir durante o depoimento ou obrigar o país a anistia-lo.
A grande dúvida que resta não é saber se ele será ou não condenado. Isso é muito provável. As provas contra Bolsonaro são muitas e irrefutáveis. Não acredito que ele receberá a PF à bala quando do cumprimento do mandado de prisão. Apesar dos rompantes retóricos, Bolsonaro está mais para galinha de granja do que para galo de briga.
Talvez o ex-presidente e futuro presidiário implore aos agentes da PF encarregados de prendê-lo o obséquio de levar consigo o smartphone. Um privilégio que por razões obvias não poderá ser concedido pelos policiais. Isso provocaria a inundação do Judiciário com requerimentos protocoladas pelos advogados de centenas de milhares de prisioneiros comuns.
A morte digital de Jair Bolsonaro será uma consequência da condenação ou uma disposição expressa do Acórdão proferido no processo? Esta é uma questão que merece ser enfrentada aqui.
O regime de cumprimento de uma pena igual àquela que tem sido imposta aos demais golpistas limitará a possibilidade de Bolsonaro se comunicar diariamente com seus seguidores. O art. 50, VII, da Lei de Execuções Penais expressamente considera falta grave o detento ter “…em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.” Ademais, o Projeto de Lei 3975/24 torna crime o uso de celular ou quaisquer dispositivos análogos por detentos ou internos em estabelecimento prisional ou de internação.
Em se tratando de um crime perpetrado e executado pelo ex-presidente inclusive e principalmente com o uso do smartphone, me parece evidente que o STF pode impor essa restrição ao condenado. Em virtude do disposto no art. 91, A, § 5º, ambos do Código Penal, Bolsonaro deve perder o smartphone por decisão do STF. Ele também poderá perder o direito de acessar suas contas pessoas em redes sociais e aplicativos de mensagem (instrumentos virtuais utilizados para a prática do delito).
Na prisão, o condenado ficará incomunicável. Nada de entrevistas diárias, coletivas de imprensa bombásticas e provocações feitas pela internet. Os filhos tentarão manter a persona de Bolsonaro viva, mas não poderão fazer isso utilizando as contas de redes sociais do pai. Contas fake de Bolsonaro surgirão assim que ele for preso, algumas delas com finalidade política outras com intuito meramente recreativo e cômico. Isso será inevitável, mas os excessos retóricos poderão complicar as vidas dos criadores dessas contas.
O maior legado do seu Jair Bolsonaro, creio (e já disse isso em outras oportunidades) será ter transformado a extrema direita em organização criminosa, em caso de polícia. Isso é novidade. Em nosso país até então a polícia só cuidava dos inimigos dos poderosos de direita e não dos representantes deles.
A jornada de Bolsonaro é análoga à de Prestes, mas existe uma diferença qualitativa entre ambos. Prestes foi preso e torturado porque lutou por um país melhor. Bolsonaro responde por ter tentado dar um golpe de estado que tornaria o país muito pior do que ele tem sido desde 1988.
Um levantou a bandeira saudável da liberdade, o outro o estandarte da ditadura insana. Ambos tinham vínculos internacionais frágeis e de certa maneira ilusórios. A URSS repudiou qualquer ligação com a Intentona de 1935. Nenhuma autoridade norte-americana apoiou a Intentona Bolsonarista de 2023. Suponho que Donald Trump não comprometerá as relações EUA/Brasil para salvar Jair Bolsonaro do cárcere. Nenhum avião comandado por uma versão norte-americana Otto Skorzeny pousará no pátio do presídio para libertar o duplo de Mussolini brasileiro.
Ninguém segura a mão de ninguém, quem cair fica sozinho. Essa, aliás, foi a regra que o próprio Bolsonaro aplicou em relação a todos os apoiadores dele que foram condenados e presos pela Justiça nos últimos anos. A solidão do presídio será dolorosa, mas talvez seja educativa. Não que seu Jair possa realmente ser reeducado. O cumprimento de pena dele em regime fechado ensinará ao Estado de Direito brasileiro que ele pode ser mais do que um simulacro aterrorizado por Forças Armadas indisciplinadas e descomprometidas com o regime democrático.
Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.
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