Em meio ao mar de Brasília Teimosa, uma comunidade histórica de pescadores e trabalhadores na zona sul do Recife, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a um lugar simbólico de sua trajetória política. Foi ali, em janeiro de 2003, logo após assumir o governo pela primeira vez, que Lula levou seus ministros para conhecer a realidade dos mais pobres do Brasil e entenderem “para quem a gente iria governar”. Nesta quinta-feira (14), 22 anos depois, ele retornou para entregar 599 títulos de regularização fundiária — e fez um novo compromisso: voltar em janeiro de 2025 para entregar os 7 mil títulos ainda pendentes.
“Eu fiquei muito, mas muito puto da vida quando soube que, depois de 15 anos, esses títulos ainda não tinham sido entregues”, desabafou Lula, emocionado. “É um descaso com as pessoas mais humildes. E eu não vou aceitar isso.”
A ação, parte do Programa Imóvel da Gente, garante segurança jurídica, direito à moradia e abre caminho para a conclusão da titulação de 6.759 lotes no bairro. 75% dos títulos entregues nesta etapa são para mulheres, um marco na garantia de direitos e autonomia. “O título diz que vocês são donos e que ninguém vai poder mexer com vocês”, afirmou o presidente. “Vocês poderão reformar, pintar, construir, abrir um comércio. Isso é dignidade.”
Defesa da soberania: “Só tem alguém que pode nos mudar de posição: o povo brasileiro”
Em tom firme, Lula rebateu as acusações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que impôs tarifas ao Brasil sob a alegação de que o país não respeitaria a democracia.
“Ele disse que o Brasil só tem democracia porque Bolsonaro está sendo julgado. Ora, Bolsonaro está sendo julgado porque tentou dar um golpe de Estado! Ele tinha um plano para matar o Lula, o Alckmin e o presidente do STF. Colocou um caminhão com bomba no aeroporto de Brasília. Atacou a Polícia Federal. E foi isso que aconteceu no Capitólio dos EUA, quando Trump invadiu o Congresso e matou cinco pessoas.”
Lula foi direto: “Se ele tivesse feito no Brasil o que fez nos EUA, também seria julgado e iria para a cadeia.”
E completou: “Sou um homem da paz. Não quero briga com ninguém. Mas eles têm que saber: só tem alguém que pode fazer a gente mudar de posição — é o povo brasileiro. Esse país é do povo, e é o povo que manda.”

Pernambuco, berço da independência
Num momento de orgulho regional, Lula destacou as raízes pernambucanas de sua luta. “Esse país está sendo governado por um cidadão nascido num estado que, antes de Dom Pedro I, em 1822, já em 1817 queria a independência. Quem nasce com sangue pernambucano não gosta de briga, mas não tem medo de briga.”
A plateia explodiu em aplausos. Ao seu lado, o prefeito João Campos, a ministra Luciana Santos, o vice-prefeito Vitor Marques e parlamentares locais reforçaram o sentimento de união entre os níveis de governo.
Resistência e memória

Brasília Teimosa, como seu nome sugere, é um lugar de luta e resistência. Desde 1947, famílias de pescadores enfrentam despejos, demolições e a pressão do mercado imobiliário para manter seu território à beira-mar. “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”, cantou Clodoaldo José da Silva, morador de 45 anos, ao lado de vizinhos, após receber seu título.
Lula destacou que, no início dos anos 2000, havia forte pressão para retirar as famílias da beira-mar para abrir espaço ao setor imobiliário. “Tinha gente que queria derrubar as palafitas e mandar vocês embora. Mas nós dissemos não. Essa praia é de vocês e vai continuar sendo de vocês”, reafirmou.
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, também pernambucana, destacou o simbolismo do momento: “Essa história de teimosia pode levar à dignidade. São 599 títulos entregues, mas são 599 conquistas de cidadania.”
Promessa de voltar
O presidente anunciou que pretende voltar em janeiro para entregar os títulos restantes e pediu aos moradores que levem os documentos exigidos aos cartórios para agilizar o processo. Diante da promessa, Lula cobrou agilidade do Estado. “Tem muita burocracia, muita demora. E enquanto isso, gente morre esperando um papel. O pai do menino que falou aqui morreu esperando esse título. A mãe dele também. Eu peço a Deus que não morra mais ninguém até janeiro.”
“Eu assumo o compromisso: em janeiro estarei aqui para entregar todos os 7 mil títulos. Preparem a festa”, disse Lula, arrancando aplausos da multidão. O sol se punha sobre o mar de Brasília Teimosa, mas a esperança, agora, é permanente.
Além da regularização, o programa prevê a urbanização de áreas ocupadas por famílias de baixa renda, conectando-se ao Periferia Viva, iniciativa do Governo Federal que busca garantir infraestrutura e justiça social em núcleos urbanos informais.
Medidas para reduzir desigualdades
Lula aproveitou o discurso para anunciar medidas voltadas às famílias de menor renda, como a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, tarifa zero de energia para consumo de até 80 kW e distribuição gratuita de gás de cozinha para 17 milhões de famílias.
O presidente também celebrou a retirada do Brasil do mapa da fome, segundo a ONU, e reiterou que combater a desigualdade continuará sendo prioridade.