Apropriação simbólica de Martin Luther King Jr. pela extrema direita
por Gianluca Florenzano
Alguns dias atrás, representantes da extrema direita — Donald Trump nos Estados Unidos, Marine Le Pen na França e, mais recentemente, Tarcísio de Freitas na Avenida Paulista, em São Paulo — mencionaram o nome de Martin Luther King Jr. em seus discursos.
À primeira vista, sob um olhar ingênuo e desatento, essas referências podem soar como uma homenagem à luta por igualdade e justiça social. Entretanto, sob uma análise mais crítica, revelam-se como parte de uma estratégia de apropriação simbólica.
O campo ultraconservador utiliza-se da imagem de King não para honrar seu legado, mas sim para esvaziá-lo e instrumentalizá-lo politicamente como uma ferramenta de legitimação de agendas que, na verdade, confrontam tudo aquilo que o renomado ativista defendeu ao longo de sua vida.
Atualmente, a extrema direita, coordenada por figuras como Steve Bannon, opera por meio de uma rede global, cujas estratégias de comunicação são bem construídas e entrelaçam-se em diferentes países.
Diante disso, o uso em um curto período de tempo e em contextos distintos do nome de Martin Luther King Jr. por líderes ultraconservadores não parece ser fruto do acaso, mas um plano com o propósito de sequestrar sua memória coletiva e inseri-la em narrativas a serviço de projetos autoritários e excludentes.
Dessa maneira, ao invocar o nome de King em seus discursos, Trump, Le Pen filha e, em menor grau, Tarcísio de Freitas (que, com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, é um dos preteridos para concorrer à Presidência da República em 2026 pelo lado conservador brasileiro), buscam se colocar no mesmo patamar simbólico do ativista, apresentando-se como supostos herdeiros de seus ideais.
Essa apropriação simbólica de King tem como efeito concreto confundir a opinião pública, esvaziando a causa do líder dos movimentos pelos direitos civis e, de certo modo, fragilizando coletivos sociais que, inspirados pela sua trajetória, seguem lutando contra as múltiplas formas de opressão que ainda persistem neste mundo.
Em termos mais claros e poéticos, o que está em curso hoje é um ataque à memória política-histórica de Martin Luther King Jr. e uma tentativa de transformar o seu sonho em um pesadelo — um pesadelo autoritário, excludente e contrários a essência de seu legado por dignidade, igualdade e liberdade.
É preciso, portanto, resistir a essa apropriação simbólica. Martin Luther King Jr., importante salientar, foi um dos maiores ícones da luta pelos direitos civis do século XX. Comprometido de corpo e alma com a causa da justiça social, ele enfrentou, com coragem e sem utilizar a violência, o racismo sistêmico dos Estados Unidos.
Seu discurso “I Have a Dream” (“Eu Tenho um Sonho”), proferido diante de uma multidão de milhares de pessoas em Washington, em 1963, é um dos marcos mais inspiradores da história da humanidade.
Em suas falas, o ativista não apenas denunciava as práticas racistas que regiam o território estadunidense, mas também pregava um chamado à união e à solidariedade entre povos, clamando por uma sociedade realmente igualitária e democrática.
Não à toa, até os dias de hoje, suas palavras conquistam o coração e as mentes de diversas pessoas e seguem ecoando ao redor do mundo como um símbolo de resistência e esperança.
Resgatar o verdadeiro legado de Martin Luther King Jr. é mais do que um exercício de memória, é lembrar que sua luta foi travada contra o autoritarismo e todas as formas de opressão e discriminação.
E é, acima de tudo, afirmar com clareza que seu sonho não pode, não deve e jamais será sequestrado por aqueles que representam exatamente tudo aquilo que ele combateu.
O verdadeiro sonho de King deve continuar vivo.
Gianluca Florenzano – escritor, cientista social e jornalista. Autor do livro “O jogo das ruas: movimento de atletas contra o racismo”.
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