Em 2024, quando o Governo Federal implementou o Pix como o principal método de pagamento para cassinos online e casas de apostas, as bets, um dado chocante surpreendeu o Ministério da Fazenda e todo o Brasil: em agosto de 2024, R$ 3 bilhões de reais do Bolsa Família foram gastos com sites de iGaming no país.
Em números totais, esse valor representaria cerca de 21% do repasse mensal que o Governo Federal oferece às famílias mais carentes de todo o país. Também foi divulgado que 5 milhões de beneficiários teriam contribuído para essa cifra.
Na data, embora as regulamentações estivessem sendo desenvolvidas, ainda não haviam sido propriamente implementadas. As notícias relacionadas a essa descoberta fizeram com que o Poder Executivo desse urgência à pauta, elaborando uma lista prévia das empresas que poderiam atuar no país às pressas e passar pelo processo de regulamentação, já exigindo mudanças de KYC.
A regulamentação
Depois que o presidente em exercício, Michel Temer, descriminalizou as apostas de todos os tipos no Brasil em 2016, o setor de apostas esportivas e cassinos online passou a se estruturar no país. Havia quase 80 anos que essas atividades estavam proibidas em território nacional, devido a uma Medida Provisória assinada por Gaspar Dutra.
Devido ao crescimento dessa nova indústria, foi necessário que um corpo de leis fosse elaborado e aprovado para regulamentação do setor. À época, a Medida Provisória de Michel Temer já estabelecia essa necessidade, mas não indicava um plano ou data-limite para isso.
Ao final do primeiro ano do terceiro mandato do governo Lula, em 2023, o presidente aprovou a lei e a organização de um corpo regulamentar relacionado à indústria de apostas esportivas e iGaming no Brasil, nos moldes do sucesso obtido por Portugal com o SRIJ.
A nova lei previa outorgas de licenças para operar no Brasil por meio de uma nova secretaria dentro do Ministério da Fazenda, com custo de R$ 30 milhões para fazer a solicitação, além de novas cargas tributárias para o setor, que até então atuava sem pagar impostos.
Originalmente, a Lei 14.790/2023 tinha como um de seus objetivos entrar em vigor em abril de 2024, já com regulamentação aprovada e concessões pagas.
Todavia, diversas questões precisavam ser sanadas, como a implementação de tecnologias de KYC (Reconhecimento Facial, integração com o banco de dados do Ministério da Fazenda e afins), o que acabou prolongando o processo, que ocorreu por fases.
Bolsa Família na mira
Como citado, a implementação do Pix como método principal de pagamento nas bets foi uma das primeiras medidas tomadas e levou à descoberta de que R$ 3 bilhões do maior programa social do Brasil, dedicado à transferência de renda, eram recebidos pelos beneficiários e utilizados em plataformas de cassino online.
Essa descoberta e a pressão da mídia fizeram o governo Lula tomar medidas urgentes. Para conter os danos políticos, o presidente pressionou a pasta a fim de acelerar o processo de outorga e vigência das leis.
Cedendo à pressão, o Ministério da Fazenda e a nova Secretaria de Prêmios e Apostas adiantaram a promulgação da lista de plataformas que haviam atendido todos os critérios da lei e, para o susto de grandes clubes do futebol nacional, diversos nomes importantes do mercado acabaram ficando de fora.
Devido aos valores de patrocínio que essas empresas repassavam aos clubes, eventos esportivos, culturais e afins, a possibilidade de terem seus serviços proibidos no país causou outro rebuliço em grande parte da população, gerando até prejuízo à reputação de algumas marcas.
Apesar de a situação ter sido resolvida brevemente, diversas empresas precisaram recorrer às vias judiciais para voltar à operação, dissolveram suas parcerias com clubes e buscaram o processo de licenciamento regional ou nacional.
Como forma de amenizar a situação, o Governo Federal permitiu que as empresas fossem novamente avaliadas, estabelecendo como prazo para o resultado definitivo da primeira outorga de licenças, em uma segunda lista, o mês de dezembro de 2024.
Nos meses seguintes, todas as medidas de segurança estavam em funcionamento e deveriam estar devidamente implementadas para a segunda lista.
A regulamentação e o bem-estar social
Como citado, o corpo de leis que dispõe sobre cassinos e casas de apostas online no Brasil foi desenvolvido com base no sucesso de Portugal ao regulamentar o setor no país. Todavia, esse não foi o único exemplo internacional usado como referência pelo Governo Federal.
Como forma de promover o bem-estar social por meio da regulamentação, Finlândia, Suécia e Nova Zelândia serviram de base para o texto, principalmente no que diz respeito à utilização de recursos diretamente na promoção e desenvolvimento da cultura e do esporte.
Já o Reino Unido serviu de modelo para a estrutura de campanhas de conscientização e institutos sociais que ajudam a lidar com os efeitos da ludopatia, como é conhecido o vício ou compulsão por apostas, e outros países europeus inspiraram a regulamentação da publicidade e propaganda deste setor no país.
Impactos diretos
Mesmo com a regulamentação do setor ativa no país, é importante citar que ela ainda é muito recente. Analistas afirmam que o mercado passa por um estado transitório, no qual muitas estruturas prévias precisam se readequar. Portanto, os efeitos reais ainda estão sendo reconhecidos pelo público e pelas empresas.
Atualmente, podemos citar alguns impactos diretos que já alteraram todo o panorama:
Aumento da arrecadação
Para continuar operando no Brasil, as empresas interessadas precisavam investir, inicialmente, R$ 30 milhões para solicitar a licença, que garante 5 anos de operação e até três marcas sob o mesmo CNPJ.
Além disso, outra exigência era que as empresas possuíssem sede e CNPJ no país, tornando-as passíveis do pagamento de tributos. Todos os impostos relacionados às Pessoas Jurídicas estão embutidos, assim como o Imposto sobre a Receita Bruta de Jogos, com uma alíquota de 12%.
Os apostadores também passaram a pagar 15% de Imposto de Renda para prêmios acima de R$ 2.112 mensais, com os valores retidos na fonte.
Com essas medidas, o governo acredita que poderá arrecadar bilhões de reais ao ano, que serão destinados ao esporte nacional (via comitês olímpicos), ao Fundo Nacional de Segurança Pública, à educação (via FNDE) e ao turismo e à cultura. O compromisso com a redistribuição reforça as políticas públicas de acesso à cultura.
Regulamentação da publicidade
Uma das maiores reclamações na esfera pública era que a publicidade do setor de apostas no país agia de forma predatória, oferecendo benefícios que contrariavam a natureza do setor.
Como medida efetiva, as casas de apostas e cassinos online passaram a ter suas peças publicitárias regulamentadas. A principal delas dizia respeito à forma como as empresas poderiam divulgar seus bônus de apostas, incluindo quais eram permitidos.
Em linhas gerais, ficou proibida todas as formas de publicidade que ofereçam bônus ou recompensas antes que o jogador realize qualquer aposta . Todavia, não é vedado que plataformas de reviews e análises compilem essas informações, como estão disponíveis no AskGamblers.
Também foram proibidos os bônus sem depósito, ou seja, aqueles oferecidos pela casa antes de o usuário depositar qualquer valor na plataforma.
Proteção aos consumidores
Com a implementação compulsória de tecnologias de verificação de identidade (KYC) e a integração com o banco de dados do Ministério da Fazenda, o acesso a esse tipo de serviço por parte de menores de idade, ludopatas e até mesmo casos de falsidade ideológica foi consideravelmente reduzido.
Apesar da grave questão do Pix ainda não ter sido resolvida, agora existem mecanismos que identificam quais beneficiários do programa utilizaram esse serviço, para que possam receber acolhimento e evitar maiores transtornos às famílias já vulneráveis.