Com a venda de 1 bilhão de dólares à vista e a colocação de mais 1 bilhão de swap reverso, operação semelhante a uma compra de dólar no mercado futuro, o Banco Central deu continuidade, na quarta-feira 25, à política de enfrentamento da espiral de desvalorização da moeda nacional tornada permanente desde o programa de estabilização monetária do Plano Real, que indexou o real ao dólar, e agravada durante as instabilidades do fim do ano passado.
Foi preciso fazer a maior intervenção no mercado de câmbio da história do Banco Central para baixar o dólar de 6,20 reais em dezembro, para os 5,60 reais do atual cenário de referência do Comitê de Política Monetária. Essa tática consumiu 10% das reservas cambiais em um mês e já mostra sinais de falta de fôlego. Segundo estimativas de participantes do mercado, o BC rola hoje cerca de 110 bilhões de dólares em swap, o equivalente a quase 600 bilhões de reais.
Setores do governo têm claro que, no médio e longo prazo, é crucial reduzir a indexação da economia ao dólar. Segmentos estratégicos para assegurar a oferta e a segurança alimentar, como a agricultura familiar, têm 65% do seu custo vinculado ao dólar, sendo 40% relacionados diretamente à variação da moeda estadunidense e 25%, indiretamente.
Quanto maior o diferencial entre as taxas de juro no País e a taxa de juros externa, ou, no linguajar do mercado, quanto maior o carry trade da moeda local, maior tende a ser a sua atratividade para investidores estrangeiros, especialmente quando comparado com o carry trade de outras moedas de risco semelhante.
Baixar o dólar de 6,20 reais para 5,60 consumiu 10% das reservas em apenas um mês
A informação divulgada na ata da reunião mais recente do Comitê de Política Monetária, de que o Copom considera, em seu cenário de referência, uma taxa de câmbio de 5,60 reais por dólar, sintetiza o momento de calmaria no mercado. A taxa é igual à cotação média da taxa de câmbio nos dez dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom e corresponde, portanto, à média das expectativas do mercado neste momento.
Diversos bancos nacionais e estrangeiros, em relatórios encaminhados aos clientes, e publicações especializadas evidenciam a importância da manutenção do real estável, tanto em um cenário internacional de ameaças e de iniciativas de guerra quanto em um contexto doméstico de elevado efeito do dólar nos preços internos, inclusive, conforme mencionado acima, nos da agricultura familiar.
A política cambial beneficia o Brasil em uma cesta de moedas de países emergentes e diante das moedas dos países desenvolvidos também, ressaltam várias instituições financeiras. “As notícias globais do fim de semana (ataque dos EUA ao Irã) devem ter muito mais impacto nos mercados desenvolvidos e no de petróleo, é claro, enquanto o real – e a América Latina, em geral – deve ficar um pouco ‘de fora’ no momento e só seria afetado em caso de uma escalada global”, destacou o Citibank na segunda-feira 23. O banco considera “níveis de preços para futuros” entre 5,57 e 5,56 reais por dólar.

Pressão inflacionária. Os preços dos alimentos também estão vinculados ao dólar – Imagem: Renato Luiz Ferreira
Há menos de duas semanas, o BNP destacava o “movimento impressionante do real: apesar do aumento da turbulência entre Israel e Irã, que impulsionou uma liquidação na maioria das moedas, o real foi a moeda que teve a menor reação”. Além disso, prosseguem os analistas da instituição, o real também foi a moeda que mais rapidamente se estabilizou. “Mesmo com todo o IOF e a turbulência fiscal, a moeda continuou sendo negociada com mais força ao longo da semana e está se aproximando do nível de 5,50”, ressaltou o BNP.
O Goldman Sachs sublinhou, na segunda-feira 23, o fato de que, “mesmo com a mais recente redução do risco, o real continua sendo uma das moedas com melhor desempenho neste mês e continua sendo a moeda preferida de muitos investidores (e dos nossos também) para posições compradas em mercados emergentes”.
Segundo o Santander, o destaque no mercado de juros é a “ótima performance dos juros longos, tanto nominal quanto real”. A despeito de um cenário externo bastante incerto e desafiador, prossegue o banco, o cenário interno com menos ruído e após o BC praticamente decretar o fim do ciclo de alta da Selic “vem trazendo uma alocação grande de recursos, tanto de locais quanto de estrangeiros. Ajuda esse cenário um desempenho muito bom do real”. Outro destaque nos juros é a “queda gigante nas inflações implícitas, sem respiro”, com a inflação deste ano rumando a 5% e a do ano que vem apontando para os 4,5%.
Para o J.P. Morgan, o real vem sendo negociado “como um dos melhores ciclos entre os mercados emergentes”. A newsletter Trust Insight, voltada para investidores, ressalta em sua edição mais recente que o valor gerado pelas empresas brasileiras “não pode ser ignorado” e que, quando o Brasil entrar em seu ciclo de corte de juros, “será um dos poucos mercados emergentes a ter juros mais baixos e inflação abaixo de 10%”, combinação que criará um “nicho de atratividade” que deverá impulsionar o fluxo de recursos para o País.
Internamente, prossegue a newsletter, o País passou por um período de desvalorização cambial e viés de baixa no Ibovespa nos últimos meses de 2024, como resultado da instabilidade fiscal e do ruído político relacionado aos temores de expansionismo fiscal por parte do governo. “Esse cenário, paradoxalmente, tornou os ativos brasileiros atualmente mais baratos, criando uma janela de oportunidade para investidores”, destaca a publicação.
Além disso, o Brasil embarcou em um ciclo de aumentos da taxa de juros real para conter o impacto da aceleração da inflação global. Esse alto nível de juros reais tem sido crucial para sustentar a taxa de câmbio, conter a inflação e atrair capital de curto prazo. “Comparado a outros mercados emergentes, como Rússia e Turquia, o Brasil apresenta inflação mais baixa, o que é um atrativo significativo, já que a inflação desvaloriza os ativos. Além disso, enquanto o Brasil ainda opera com altas taxas de juro reais, o México, outro mercado emergente com exposição diferente aos EUA, está em um ciclo de cortes de juros, ilustrando a divergência nas políticas monetárias entre os países. Essa diferença nas taxas de juro impacta a atratividade do risco-país e dos fluxos de capital”, acrescenta a Trust Insight.
A política cambial beneficia o Brasil em uma cesta de moedas de emergentes
É importante acrescentar que o êxito do real entre as moedas emergentes tem, no entanto, limites, como aponta o significativo volume de reservas utilizado para debelar a crise de dezembro. Outra barreira nítida é o atraso do País em termos regulatórios, diante do avanço das entidades financeiras como fintechs e hedge funds, ambos não regulados, mas com participação crescente nos mercados, inclusive no de dívida pública.
A redução da atratividade das apostas no dólar foi acompanhada do aumento do prêmio para quem estava apostando no real, vinculado aos juros altos. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a elevação, na última reunião do Copom, da taxa básica de juros para 15%, a mais alta em 20 anos, caracteriza “um patamar muito restritivo”.
Haddad disse, em entrevista à TV Record, estar preocupado, mas defendeu o presidente do BC, Gabriel Galípolo, e disse que, em sua opinião, a alta foi contratada na gestão anterior, de Roberto Campos Neto, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. “Essa alta, sendo muito honesto, quem é do ramo sabe, foi contratada na última reunião da qual participou o Roberto Campos, em dezembro do ano passado. É como se tivesse estabelecido uma contratação futura da taxa. Não dá para dar cavalo de pau em política monetária, vai perder credibilidade. Tem de ter muita cautela”, continuou. “E tem mais, estávamos com problema de inflação, sobretudo de alimentos, que está sendo corrigido agora. Estamos no começo de um mandato na presidência do Banco Central, que carrega a memória da gestão anterior. Ainda precisamos dar um pouco de tempo ao tempo.” •
Publicado na edição n° 1368 de CartaCapital, em 02 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Aposta dobrada’