No último sábado, dia 26 de abril, foi sepultado, na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, o papa Francisco, após um grande funeral. Reunindo líderes mundiais e centenas de milhares de fiéis, com estimativas na casa de 400 mil pessoas, sendo 250 mil na praça do funeral, e mais 150 mil nas ruas próximas. Não houve transmissão do sepultamento, e apenas sacerdotes e familiares de Francisco estiveram presentes no momento final, o enterro.

O velório ocorreu na praça de São Pedro, e alguns pontos do papado foram destacados, como a posição contra as guerras do papa. Durante a missa de funeral, disse o cardeal italiano Giovanni Battista Re, que conduziu a cerimônia:

“Perante o eclodir de tantas guerras nos últimos anos, com horrores desumanos e inúmeras mortes e destruições, o Papa Francisco levantou incessantemente a sua voz implorando a paz e convidando à sensatez. ‘Porque a guerra – dizia ele – é apenas morte de pessoas e destruição de casas, hospitais e escolas’.”

Francisco morreu na segunda-feira, dia 21, de um AVC, aos 88 anos. A basílica onde foi sepultado foi escolhida pelo próprio papa, que nela passava para orar antes e depois de cada viagem, bem como após cada uma de suas internações. Francisco foi o primeiro papa em mais de um século (desde 1903) a não ser sepultado no Vaticano, na cripta da Basílica de São Pedro. Além disso, a seu pedido, ao invés de seguir a tradição papal, tendo o corpo colocado dentro de três caixões, feitos de cipreste, chumbo e carvalho, foi enterrado apenas num caixão de madeira e zinco. O corpo foi levado até a Santa Maria Maior num papamóvel adaptado pelas ruas de Roma, em procissão, algo inédito.

Entre os presentes, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, os presidente e  ex-presidente dos EUA, Donald Trump e Joe Biden, além do presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensqui, o presidente da Argentina, Javier Milei, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, o presidente da França, Emmanuel Macron, o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, e o príncipe William, da Inglaterra.

Antes do evento, Donald Trump e Zelensqui se reuniram de maneira improvisada, no que foi caracterizado pela Casa Branca como uma “discussão muito produtiva”. Trump vinha conduzindo uma tentativa de pacificação da situação na Ucrânia, contra os interesses do imperialismo e do presidente golpista sustentado por ele, Vladimir Zelensqui, o que levou a um desentendimento público na Casa Branca, em fevereiro deste ano.

O conclave

A definição do próximo papa ocorrerá num conclave, que tem seu início previsto para entre 6 e 11 de maio, costumeiramente entre 15 e 20 dias após a morte do papa. O conclave reunirá 135 cardeais para definir os rumos da Igreja Católica, que abrange cerca de 1,4 bilhões de fiéis no planeta. Ao todo, no mundo, existem 252 cardeais, mas os com mais de 80 anos não votam. A reunião já levanta especulação, e uma disputa política acirrada se coloca no interior da Igreja.

A política de Francisco, de retirar o núcleo dos cardeais eleitores da Europa, proporcionou uma mudança grande no perfil dos cardeais. Em 2013, mais da metade eram europeus, número hoje em 39%, enquanto 18% são asiáticos, 18% latino-americanos, e 12% oriundos da África subsaariana.

A primeira votação ocorrerá pouco após a reunião do conclave, e então todos os dias pela manhã e à tarde, até que um candidato assegure uma maioria de dois terços. Com essa consideração, não existe um prazo para que se chegue a uma decisão. Os cardeais permanecerão fechados no Vaticano até que a decisão esteja tomada, processo que garante que os detalhes da votação não venham à tona durante a reunião.

Antes do início, a Capela Sistina passa por uma perícia para garantir que não haja microfones ou câmeras escondidos. Lá, são permitidos dois médicos, além de padres, que podem ouvir confissões em vários idiomas, e uma equipe de limpeza. Todos os presentes precisam fazer um juramento prometendo manter segredo perpétuo e não usar qualquer equipamento de gravação. Iniciado o conclave, os cardeais comem, votam e dormem em áreas fechadas, até o final. Eles ainda não podem ter contato com o mundo exterior, salvo por emergência médica. Assim sendo, rádios e aparelhos televisivos são removidos, e jornais, revistas e telefones celulares são proibidos.

Na sequência da votação, as cédulas são reunidas e queimadas. Em caso de não haver decisão, uma fumaça preta, quando firmada a decisão, se vê sobre a Capela Sistina a fumaça branca, sendo recentemente utilizado um corante para efeito de coloração. Uma vez atingida a maioria necessária, o eleito é questionado se aceita sua eleição canônica. Após consentir, é questionado sobre o nome pelo qual deseja ser chamado, cuja continuidade é um ato de homenagem e obediência dos cardeais. Logo depois, é feito o anúncio público, e a primeira aparição do novo papa.

Uma oposição vinda dos EUA

O papa Francisco, desde que eleito, enfrentou uma forte oposição da comunidade católica conservadora, em particular da norte-americana. “O ponto focal da oposição ao papa Francisco estava nos Estados Unidos”, disse David Gibson, diretor do Centro de Religião e Cultura da Universidade Fordham, em Nova Iorque, à BBC News Mundo, complementando que: “não foram apenas bispos e padres. Foram também leigos, organizações como o Instituto Napa ou a EWTN, uma espécie de rede de direita com muito dinheiro e grande mídia. Foram os leigos que financiaram e promoveram a oposição ao Papa.”

Francisco sabia disso, tendo mencionado que nos EUA havia “uma atitude reacionária muito forte e organizada”. No país, 20% dos adultos se consideram católicos.

Mesmo após sua morte, por exemplo, a religiosa revista First Things não estampou como principal um obituário, mas um artigo de opinião de Charles Chaput, ex-arcebispo da Filadélfia, afirmando: “de muitas maneiras, o pontificado de Francisco foi inadequado aos problemas reais que a Igreja enfrenta”. Chaput foi substituído por Francisco ao atingir os 75 anos por outro mais liberal e latino.

Desde o início do papado, Francisco rejeitou uma série de regalias do cargo, e pregou o olhar aos pobres, desde sua primeira exortação apostólica, intitulada Evangelii gaudium (“A Alegria dos Evangelhos”). Nela, o papa chamou à rejeição do consumismo e da acumulação de riqueza, e convocou os católicos a se voltarem aos pobres.

O texto foi criticado fortemente pelos conservadores dos EUA. O comentarista político Rush Limbaugh disse então que Evangelii gaudium era “marxismo puro saindo da boca do papa” e que “o papa foi além do catolicismo aqui, e isso é pura política”.

Isso se repetiu ao longo do papado de Francisco. Em 2015, quando o papa afirmou que “o dinheiro é o esterco do diabo” e havia pedido “o combate a essa cultura do descartável, cultivada pelos poderes que controlam as políticas econômicas e financeiras do mundo globalizado”, Stephen Moore, católico e economista-chefe do think tank conservador Heritage Foundation, sediado em Washington, disse à BBC: “Há muito ceticismo entre os católicos (americanos)” e “acho que este é um papa com claras inclinações marxistas. Não há dúvida de que ele demonstra um ceticismo muito claro em relação ao capitalismo e à livre iniciativa, e (…) isso me parece muito preocupante”.

Em fevereiro deste ano, por exemplo, Francisco enviou uma carta aos bispos dos EUA afirmando que “o ato de deportar pessoas que, em muitos casos, deixaram suas terras devido à extrema pobreza, insegurança, exploração, perseguição ou grave deterioração do meio ambiente, fere a dignidade de muitos homens e mulheres, e de famílias inteiras, e os coloca em um estado de especial vulnerabilidade e indefesa”.

O diretor da Heritage Foundation, Kevin Roberts, chamou a mensagem de “ataque velado” aos católicos trumpistas.

Quando da primeira campanha de Donald Trump, Francisco havia afirmado, sem citar nomes: “uma pessoa que só pensa em construir muros (…) e não em construir pontes não é cristã.” À época, o lema de “construir o muro” contra os imigrantes era notório na campanha de Trump.

À declaração, Trump, que é presbiteriano, respondeu: “é vergonhoso que um líder religioso questione a fé de uma pessoa”. Ele foi apoiado em sua campanha pelo cardeal americano aposentado Raymond Leo Burke, conservador.

Francisco também emitiu declarações sobre a população gay, afirmando que: “o catecismo diz que eles não devem ser discriminados. Eles devem ser respeitados e acompanhados pastoralmente.”

O que viu uma oposição de Burke, que assinou uma carta aberta contra “a praga da agenda homossexual”.

O papa também, apesar de manter a posição contrária ao aborto, declarou sobre o tema: “nossa defesa do inocente ainda não nascido, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada. No entanto, as vidas dos pobres, dos já nascidos, dos indefesos, dos abandonados são igualmente sagradas”. Novamente, a oposição se mobilizou, dessa vez também se notorizando o bispo da diocese de Tyler, no Estado americano do Texas, Joseph Strickland, que em carta afirmou que tentativas de “mudar o que não pode ser mudado” levariam a uma divisão na Igreja.

Jayd Henricks, ex-diretor executivo de relações governamentais da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, disse ao First Things: “alguém precisa dizer isso publicamente: o Santo Padre não entende a Igreja Católica nos EUA e está prestando um péssimo serviço a ela”. E Francisco chegou a brincar que era “uma honra” ser criticado pelos católicos conservadores nos EUA.

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Last Update: 28/04/2025