O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia, nesta quarta-feira (10), o julgamento de quatro processos que definirão o futuro jurídico da Lei nº 14.701/2023, a norma aprovada pelo Congresso para tentar restabelecer o marco temporal nos direitos territoriais indígenas.
A análise ocorre em meio a uma escalada de tensão entre os Poderes. Na terça-feira (9), o Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reafirma a tese de que os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse permanente ou em litígio em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
A aprovação da PEC veio menos de uma semana depois de o Congresso derrubar os vetos do presidente Lula ao projeto de lei que tratava exatamente do mesmo ponto. O PL havia sido aprovado em 2023, logo após o STF declarar a tese do marco temporal inconstitucional.
Agora, partidos que contestam a nova lei pedem que o Supremo reafirme que os direitos territoriais indígenas são originários e preexistentes — e, portanto, não podem ser condicionados a uma data arbitrária. Para esses grupos, a demarcação não cria direitos: apenas reconhece direitos históricos.
Pedido de suspensão e alerta sobre retrocessos
Diante das incertezas abertas pela nova lei, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pediu a suspensão integral da Lei nº 14.701/2023 até o fim do julgamento. A entidade alerta que a norma pode anular ou paralisar demarcações já concluídas, ferindo a segurança jurídica e o ato jurídico perfeito.
A tentativa de “terceira via” no STF
Na busca por uma saída negociada, o ministro Gilmar Mendes, relator das ações, criou em junho de 2024 uma comissão especial de conciliação. O grupo realizou 23 encontros, mas enfrentou impasses.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) abandonou a mesa após denunciar “conciliação forçada”, falta de paridade e incapacidade do formato em enfrentar “o cerne do conflito constitucional”: a inconstitucionalidade do marco temporal.
Mesmo assim, a comissão produziu um anteprojeto de lei para regulamentar o artigo 231 da Constituição. Entre os pontos apresentados:
• Direitos indígenas: garantia de consulta prévia e proteção integral a povos isolados.
• Gestão dos territórios: permissão para atividades econômicas e turismo, com proibição de arrendamento.
• Controle judicial: competência da Justiça Federal para disputas e legitimidade direta dos indígenas para ingressar em juízo.
A Apib classificou a proposta como um “consenso mínimo e parcial”.
Indenização como solução intermediária
Outra alternativa veio da Advocacia-Geral da União (AGU), que apresentou ao STF o “Plano Transitório para Regularização das Terras Indígenas em Litígio Judicial”. A proposta cria um regime de transição baseado na indenização de ocupantes de boa-fé, buscando reduzir conflitos históricos sem negar o direito indígena à terra.
Segundo a AGU, o plano “tem grande potencial para reduzir conflitos antigos” e deve ser homologado pelo Supremo.
O que acontece agora
O julgamento desta quarta-feira começa com as sustentações orais das partes. A votação dos ministros será marcada posteriormente.
Em jogo, está um embate central: o direito originário dos povos indígenas.