Ao final de doze dias de bombardeios, drones, mísseis e retaliações cruzadas, Israel e Irã declararam vitória. Mas por trás do discurso de bravura, os números da chamada “Guerra dos 12 dias” revelam um cenário muito mais complexo: devastação humana, desgaste político e pouca capacidade real de alterar o equilíbrio regional de forças. A trégua, costurada sob pressão diplomática dos Estados Unidos, também afetado pelo desgaste, segue sob tensão latente.

A tentativa de ambos os governos de apresentar o conflito como uma demonstração de força esconde fragilidades expostas ao longo dos combates: Israel lida com um ambiente político interno cada vez mais fragmentado e críticas à condução da guerra por parte do governo de Benjamin Netanyahu; o Irã, embora atingido duramente, mantém sua capacidade de resistência, mesmo com perdas consideráveis em seu arsenal e na cúpula militar. O esforço de espalhar panfletos em persa para incitar o povo iraniano contra o regime teocrático, apenas serviu para agregar apoio popular e fortalecê-lo.

Israel: fragilidade política em meio à superioridade militar

Mesmo com superioridade tecnológica evidente e apoio direto dos Estados Unidos, Israel saiu da guerra mais vulnerável politicamente. Os ataques do Irã atingiram alvos estratégicos, como uma usina elétrica, uma refinaria de petróleo e uma universidade, além de obrigarem o país a emitir mais de 21 mil alertas a civis e lidar com quase 10 mil deslocados internos.

O Irã visou principalmente Tel Aviv e áreas ao redor, e um dos ataques significativos foi o Centro Médico Soroka – um ataque que feriu dezenas. Entre outros alvos estavam a Escola de Inteligência Militar de Israel, o Ministério do Interior em Haifa, o Instituto de Ciências Weizmann, uma refinaria de petróleo e usinas de energia.

Internamente, o governo Netanyahu enfrenta crescente contestação: a escalada com o Irã agravou o isolamento internacional de Israel, já combalido pela guerra prolongada em Gaza, e mostrou os limites da sua dissuasão regional. A oposição política e setores do Exército questionam a eficácia da resposta israelense, mesmo diante dos mais de mil ataques aéreos contra o Irã e da destruição de 80 baterias de defesa antiaérea iranianas.

Além disso, o impacto social da guerra, com 138 casos de transtornos psicológicos agudos entre os 3.238 feridos e danos a dezenas de residências, alimenta o desgaste da imagem de Netanyahu, já pressionado por denúncias e protestos. De acordo com o Ministério da Saúde de Israel, em 24 de junho, 28 foi o número de pessoas mortas. Muitos moradores afetados pelos ataques iranianos, de Tel Aviv a Haifa, conseguiram escapar para abrigos antiaéreos onde permaneceram os 12 dias.

Irã: perdas estratégicas, mas sobrevivência intacta

Enlutados participam de um funeral para os mortos em ataques israelenses ao Irã, em Ahvaz, Irã, em 19 de junho de 2025

O Irã pagou um preço alto, com centenas de mortos e feridos, incluindo 30 comandantes militares e 14 cientistas nucleares. Foi duramente atingido por bombas antibunker lançadas pelos EUA, que atingiram instalações nucleares-chave como Fordow, Natanz e Isfahan. Mas mesmo com redução significativa de sua capacidade balística e aérea, o país demonstrou que ainda detém poder de retaliação suficiente para ameaçar Israel e desestabilizar a região.

De acordo com o Ministério da Saúde e Educação Médica do Irã, 4.746 pessoas ficaram feridas, 610 foram mortas e a infraestrutura pública foi danificada. Sete hospitais foram danificados entre outras unidades de saúde. Quase nove milhões de pessoas saíram de carro das principais cidades, especialmente Teerã.

Segundo estimativas israelenses, o Irã perdeu dois terços de seus lançadores de mísseis balísticos e quase mil drones em seus cerca de 120 ataques a Israel. Ainda assim, 550 mísseis e mil drones foram lançados durante o conflito, e 31 mísseis atingiram áreas povoadas ou estratégicas em Israel. A capacidade de provocar danos diretos, ainda que limitada pela interceptação de 90% dos artefatos, reforça a imagem de que o Irã continua sendo um ator relevante e resiliente, mesmo diante da aliança militar entre Israel e EUA.

O regime iraniano ainda utilizou a guerra como ferramenta de coesão interna. As 700 prisões e três execuções sob acusação de ligação com Israel mostram uma tentativa de reforçar o controle político doméstico e sinalizar força frente a dissidências.

Cessar-fogo tenso, sem solução de fundo

O cessar-fogo mediado pelos EUA, que vigora desde terça-feira (24), não resolve os fatores estruturais da escalada. Ambos os lados permanecem em prontidão militar, e o risco de novos confrontos persiste — tanto diretamente quanto por meio de atores regionais aliados, como Hezbollah e milícias xiitas no Iraque e na Síria.

Apesar das perdas materiais e humanas, o Irã sai do conflito sem se render, sem ceder em suas posições nucleares ou regionais. Já Israel, mesmo tendo evitado um colapso interno, agora enfrenta a encruzilhada estratégica de como conter Teerã sem ampliar seu próprio isolamento diplomático e sem exaurir sua capacidade de mobilização doméstica.

Guerra de narrativas: o que está por trás da “vitória” de cada lado?

Mais do que um confronto militar, a guerra de 12 dias foi também uma disputa narrativa. Tanto Netanyahu quanto o aiatolá Ali Khamenei tentaram converter um conflito de alto custo humano em triunfo político interno. Nos EUA, Donald Trump — que cunhou o termo “Guerra dos 12 dias” — também tenta explorar o episódio como demonstração de liderança geopolítica, visando as eleições. 

A própria articulação de Trump para um cessar-fogo foi uma demonstração do receio pela opinião pública norte-americana. Ele que já vinha do desgaste doméstico com a guerra contra imigrantes, teve que descumprir a promessa de campanha de não envolver os EUA em novas guerras e se concentrar na luta contra a inflação. Em vez disso, a ameaça do bloqueio do Estreito de Ormuz pelo Irã também se converteria em mais um fator inflacionário para todo o mundo, com o encarecimento do barril de petróleo.

Mas os fatos não sustentam vitórias nítidas. Com mais de 630 mortos, milhares de feridos, civis aterrorizados e cidades sob ameaça, o saldo do conflito reforça a urgência de repensar a lógica de confrontação permanente no Oriente Médio. Nem a dissuasão tecnológica israelense, nem a retórica de resistência iraniana, impediram a tragédia humana. A “vitória” proclamada por ambos, nesse contexto, tem gosto amargo — e consequências ainda imprevisíveis.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 26/06/2025